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Prejuízo Integral: Após quase uma década, agricultores do Rio Grande do Sul não recuperam perdas com empresa cerealista investigada por ligação com o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS)

por Ornan Serapião
20 minutos para ler

Tiago Muniz e Luanna Barros, da RecordTV, em São Borja e Porto Alegre

Plantadores de arroz do Rio Grande do Sul ainda sofrem as consequências do desparecimento de milhares de sacas do cereal numa empresa investigada por ligações com o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS). A Arrozeira Beira-Rio, sediada em São Borja, no oeste gaúcho, recebeu toneladas do grão de produtores rurais da cidade no começo dos anos 2010 para revenda. No entanto, quando esses agricultores buscaram o alimento armazenado, não encontraram nada, o arroz simplesmente teria desaparecido.

A Beira-Rio era de propriedade do primo do deputado, o veterinário Antonio Mário Pimenta, conhecido por Maíco. Uma investigação criminal que tramitou por mais de uma década entre a primeira instância e o Supremo Tribunal Federal (STF) apurou a possível prática de estelionato e lavagem de dinheiro pelo congressista e por outras pessoas.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS)  em entrevista na Câmara dos Deputados (Luis Macedo / Câmara dos Deputados)

O caso foi trancado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) sem julgamento do mérito. A 8ª turma da corte concedeu habeas corpus a favor da defesa do deputado. O relator, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, entendeu que houve excesso de prazo na investigação.

Ele votou favoravelmente à concessão do HC, mas anotou “que o arquivamento do Inquérito Policial não constitui óbice para posterior reabertura, desde que surjam novos elementos de prova.

Caso Arroz Pimenta (Reprodução)
Caso Arroz PimentaREPRODUÇÃO

”Além da investigação criminal, ações judiciais foram colocadas contra a Arrozeira Beira-Rio e os responsáveis pela empresa buscando alguma reparação. Sem conseguir, alguns contraíram dívidas, demoraram para se recuperar ou mesmo não voltaram a plantar. A reportagem conversou com pessoas que foram lesadas em São Borja e em Porto Alegre.

Fachada com a marca da Arrozeira Beira-Rio  (Reprodução)

Aos 87 anos, o produtor rural Odon Motta dos Santos, diz que hoje em dia só quer sombra e água fresca. Mas, durante um bom tempo da década passada, ele lutou para tentar reaver a perda de 4.324 sacas de arroz depositadas na Arrozeira Beira-Rio. Em 14 de setembro de 2021, a saca está cotada a R$ 74,20. Assim, o prejuízo sofrido por Santos supera os R$ 320 mil em valores de hoje, sem contar a correção monetária.

Os Pimenta assumiram a Arrozeira Beira-Rio em junho de 2010. No ano seguinte, a empresa recebeu o arroz do produtor, que viu motivos para confiar no negócio. “Eu conhecia os pais deles, os avós deles. E eles eram sobrinhos de um tio meu, casado com uma tia minha. Por isso, na confiança, eu fui fazer negócio com eles”, diz.

O produtor rural Odon Motta dos Santos  (RecordTV)
O produtor rural Odon Motta dos Santos RECORDTV

Santos então retirou o grão que estava depositado numa outra cerealista e depositou na Beira-Rio. A ideia seria manter o arroz na empresa e depois despachá-lo para fins de exportação. No entanto, passado algum tempo, o arroz teria simplesmente desaparecido e o produtor não recebeu nenhuma compensação.

Em depoimento à Polícia Federal, Santos disse que Maíco sempre afirmou que um dos verdadeiros sócios da Arrozeira Beira-Rio era o deputado federal Paulo Pimenta. Além disso, o agricultor teria telefonado diretamente para o parlamentar e cobrado providências sobre o caso entre outubro e dezembro de 2011. À reportagem, Santos reafirmou as declarações: “Que eu telefonei? Sim, algumas vezes. Conversei por telefone com ele”, diz. Além disso, o agricultor confirmou que Maíco dizia que o verdadeiro dono da empresa seria o congressista: “Ele me falou isso. Que se for mentira, porque o Paulo não assinou, é mentira do seu Maico.”

O produtor enfrentou tempos difíceis por causa do baque promovido pelo sumiço do arroz. “Eu cheguei a chorar atrás das portas, para não prejudicar minha mulher. Se eu fosse hoje, eu não sei o que eu faria. Porque hoje, se eu tivesse o prejuízo daquela época, eu acho que a minha atitude talvez fosse outra. Não fosse calma, não fosse pacífica. Por isso que eu digo que eu não quero mais nada, eu quero sombra e água fresca”, conta.

Santos entrou na Justiça, mas não tem esperança de reaver o arroz ou ter alguma compensação: “E ficou nessa. Então, estou no prejuízo e paciência. Eu ganhei uma ação, mas não foi determinado que façam alguma coisa para me pagar, ficou nisso, no papel lá, sem me pagar.”

Trecho do depoimento de Sergio Augusto Malgarim à Polícia Federal (RecordTV)

Um outro depoente à PF afirmou que Maíco sempre colocava o deputado Pimenta como um garantidor de eventuais dívidas. Sergio Augusto Malgarim falou à polícia que Maíco “dizia com todas as letras que o verdadeiro proprietário da empresa era Paulo Pimenta, sendo que apresentava durante estas conversas cartão de visitas com o logotipo da Câmara dos Deputados e com o nome do Deputado Paulo Pimenta.” Malgarim teve um prejuízo de R$ 78 mil em valores da época pelo depósito de três mil sacas que desapareceram. Procurado pela reportagem, Malgarim não quis conceder entrevista.

Campo de arroz sendo preparado para o plantio (RecordTV)

O ‘GOLPE DA ARROZEIRA’

Assim como Santos, o agricultor Roberto Felippeto Motta ganhou, mas não levou. Ele cobrou a Arrozeira Beira-Rio em R$ 109 mil pelo depósito de 247 mil quilos de arroz em casca depositados em outubro de 2011. Na ação, consta que “o negócio foi realizado com pessoa denominada Antônio Mario Fouchard Pimenta, de apelido ‘Maíco’, que se dizia sócio do deputado federal Paulo Pimenta na Arrozeira Beira-Rio.”

A ação segue: “Ocorre que, o autor foi vítima do chamado ‘golpe da arrozeira Beira-Rio’, pois a arrozeira ré não pagou nenhum real pela compra realizada, o que causou enorme desequilíbrio financeiro ao autor.”

A advogada Angélica Genro Lopes Vielmo  (RecordTV)
A advogada Angélica Genro Lopes Vielmo RECORDTV

O prejuízo foi tão significativo que comprometeu as atividades de Motta permanentemente. A advogada do produtor na causa, Angélica Genro Lopes Vielmo, não tem dúvidas sobre quem acabou ficando com o prejuízo: “Quem pagou foram os produtores. Simplesmente entregaram de presente o trabalho de toda uma safra. Que impossibilitou às pessoas de plantarem um outro ano, porque daí elas não têm mais um banco, não girou. O meu cliente, por exemplo, nunca mais plantou”, diz.

A advogada afirma que a Beira-Rio tinha uma estratégia para atrair os clientes. “Enquanto as outras cooperativas ou cerealistas pagavam valores de mercado do produto, eles pagavam um pouquinho a mais. Então, creio que atraiu vários produtores para lá, entre os quais estavam o meu cliente”, diz.

A Arrozeira teria confessado a dívida com Motta, mas o produtor não recebeu nenhum valor. Quase três anos depois do sumiço do arroz, o agricultor entrou com a ação de cobrança e ela foi julgada procedente em agosto de 2015. Só que isso não adiantou. “Ao tentar receber, efetivar a prestação, nunca conseguiu receber. No cumprimento, foi pedida a penhora online e não foram encontrados valores na conta. Encontrei um bem da Arrozeira, pedi a penhora, foi penhorada. O bem foi a leilão, porém havia outros credores anteriores ao meu cliente”, diz a advogada.

Vielmo completa, dizendo que as consequências para o cliente dela foram além da questão econômica. “Ele adoeceu e não pôde contar com um valor que era dele, que com certeza contribuiria para a manutenção dessa pessoa e da família dele.” “A gente sabe que tem uma questão política por trás e simplesmente ficou adormecido, ficou por isso mesmo. Ninguém mais tem o que fazer”, conclui.

Cheque sem Fundo (Reprodução)

CHEQUES SEM FUNDO

Em setembro, a época é de plantação em São Borja. Os campos abertos estão irrigados, com as sementes sendo cultivadas para a safra adiante. A preparação do terreno é a rotina para o mês de um produtor rural que conversou com a reportagem, mas não quis se identificar.  Agricultor há quase trinta anos, ele sofreu um prejuízo grande depois de ter perdido dez mil sacas de arroz, o que equivaleria a R$ 380 mil.

O produtor recebeu cheques da Arrozeira Beira-Rio, que não serviram para nada. “Aqueles cheques não tinham fundo. Foi uma maneira, eu acho, que de negociação. Um cheque que te segurou para ganhar um prazo, né?” Indo ao banco, o agricultor ouviu uma outra informação sobre o destino dos grãos: “O gerente me falou que o cheque não tinha fundo, mas que todos os títulos que eles venderam, os produtos foram pagos.”

Ele se sente vítima de um golpe: “Foi aproveitado da boa fé nossa e a confiabilidade das pessoas que estavam trabalhando ali, as promessas que tinham.” Ele relata ainda que era muito difícil conseguir contato com Maíco. “A gente tinha que ir lá umas quatro horas [da manhã] e ficar esperando ele no carro, né. Muitas vezes ele saía pela porta dos fundos. E ai tu ficava lá o dia inteiro, até o final da tarde e tu ia saber que não tinha ninguém pra falar contigo. O cara saía.”

Parte do terreno onde funcionava a Arrozeira Beira-Rio  (RecordTV)

PREJUÍZOS AINDA MAIORES

A reportagem teve acesso a uma ação cautelar de arresto colocada pela empresa Ciagro que depositou mais de 2,8 milhões de quilos de arroz em casca na Beira-Rio entre janeiro e abril de 2011 e perdeu o montante. O prejuízo foi estimado em R$ 1,8 milhão. A empresa fez um acordo com a Beira-Rio para obter parte do imóvel da empresa.

A reportagem entrou em contato com representantes da Ciagro, mas eles não quiseram se manifestar. Parte do imóvel da Arrozeira Beira-Rio em São Borja está em ruínas. Um dos silos metálicos desabou, enquanto um galpão está aberto, com o mato crescendo e nenhum sinal de manutenção. Um galpão vizinho está sendo utilizado pela Ciagro.

TRAMITAÇÃO NA JUSTIÇA

O inquérito policial foi instaurado em dezembro de 2009, tramitando na 1ª Vara Federal de Uruguaiana. A investigação começou apurando a falsificação de documentos de uma empresa certificadora de grãos por parte da Beira-Rio.

As investigações avançaram no sentido de ligar essa falsificação à venda da Arrozeira para parentes do deputado e a apuração também passou a verificar a possível ocorrência de lavagem de dinheiro.Em 2012, a Justiça Federal declinou da competência do caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) porque Pimenta exercia o mandato de deputado federal.

Em 2018, o STF afastou a prerrogativa de foro privilegiado e devolveu o caso à primeira instância. O inquérito passou a tramitar na 22ª Vara Federal de Porto Alegre.A defesa do deputado entrou com um habeas corpus (HC) pedindo o trancamento da ação no TRF4 em julho de 2020.

Os advogados alegaram que não havia justa causa para o oferecimento de denúncia, considerando que o inquérito já havia passado pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo MPF no Rio Grande do Sul. Em parecer, o MPF opinou contra o pedido, argumentando que o HC não era o instrumento adequado para a demanda e que não houve o chamado excesso de prazo.

“Não houve desídia na investigação, que está seguindo seu curso normal, apenas se prolongando devido à natureza mais complexa do delito cometido”, afirmou a procuradoria.Em outubro de 2020, a 8ª Turma do TRF4 concedeu o HC determinando o trancamento do inquérito policial.

Os desembargadores entenderam que não há provas contra Pimenta e que houve excesso de prazo. Apesar de acolher o pedido, o relator do caso, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, lembrou que “o arquivamento do inquérito policial não constitui óbice para posterior reabertura, desde que surjam novos elementos de prova.”

OUTRO LADO

O deputado federal Paulo Pimenta foi procurado pela RecordTV e conversou por telefone com a reportagem. Para ele, o assunto foi encerrado.

“Esse episódio, esse envolvimento do meu nome inclusive por essa pessoa que é minha parente gerou um inquérito, foi pra Polícia Federal, foi para o Ministério Público, foi para a Justiça e esse inquérito já acabou. E já houve um reconhecimento da Justiça”, diz o parlamentar. O deputado afirmou ainda que não tem qualquer relação a Beira-Rio. 

“Isso não me diz respeito, não me diz respeito. Eu já processei pessoas por terem tentado envolver meu nome nisso. Tem pessoas sendo processadas, respondendo criminalmente pela tentativa de envolver meu nome nessa situação. Eu já fui inocentado pela Justiça e pelo Ministério Público. Eu sou vítima. Meu nome foi utilizado de forma indevida”, afirma Pimenta.

O parlamentar chegou a concordar em gravar com a reportagem, mas recuou e negou entrevista à Record TV.

Depois disso, o deputado Paulo Pimenta pediu para que os seus advogados emitissem a seguinte nota oficial:

“A defesa do Deputado Federal Paulo Pimenta informa que o inquérito sobre a arrozeira Beira-Rio foi completamente arquivado quanto a ele em razão de ordem de habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Em outubro de 2020, o tribunal reconheceu por unanimidade que, mesmo após onze anos de investigação, não existe qualquer indício de relação do deputado com a referida empresa, o que impede o prosseguimento do inquérito em seu desfavor.”

Procurada, a defesa de Antônio Mario Fouchard Pimenta, o Maíco – que também representa juridicamente a Arrozeira Beira Rio – não aceitou gravar entrevista. A defesa acrescentou que já está se manifestando nos processos.

Arrozal em São Borja (Reprodução/Facebook Arrozeiros de São Borja)

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