A tranquilidade dos sítios e fazendas está ameaçada e muitos já colocaram a propriedade à venda
Caroline Rodrigues caroline.rodrigues@olivre.com.br
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)
Enquanto os grandes fazendeiros contratam seguranças armados para proteger a casa e os rebanhos, os pequenos sitiantes precisam optar entre se armar ou vender a propriedade. A insegurança no campo cresceu nos últimos anos e nos municípios de Jangada, Rosário Oeste, Nobres e Acorizal, as famílias estão aterrorizadas. Os criminosos invadem as casas fortemente armados em busca de carros, joias, dinheiro, equipamentos de trabalho – como motosserras e bombas – e eletrodomésticos. Geralmente, as famílias ficam reféns por horas, período em que são ameaçadas, humilhadas e até mesmo agredidas. Assessor da Prefeitura Municipal de Jangada, Victor Roger da Silva conta que, muitas vezes, as informações chegam à cidade dias após o roubo. A maior parte dos sitiantes sequer comunica a polícia, uma vez que as propriedade são longe do núcleo urbano.
A subnotificação, segundo Silva, ficou ainda maior quando a delegacia da cidade foi fechada no ano passado. Desde então, as vítimas precisam se deslocar para Rosário Oeste, cidade vizinha, para fazer o boletim de ocorrência.“Além da invasão das casas, temos o roubo de cabeças de gado. Tem fazenda que contratou segurança armada de moto para vigiar os animais”, explica o assessor.
Novo êxodo
Como quem não foi assaltado sabe da história de alguém que foi, muitas propriedades estão à venda. Nelas, muito longe da tranquilidade do campo, existe toque de recolher. A partir das 18h, todas as portas são fechadas e qualquer um que chegue sem avisar é suspeito. Uma tensão que já afeta a distribuição da população no município, que é basicamente formado pela agricultura familiar. A cidade, conforme o último censo, tem 10 mil habitantes, dos quais 4 mil estão na cidade e 6 mil no campo.“Hoje, muita gente está vindo para cidade por medo. E este aumento de gente na área urbana também gerou mais crimes como roubos e furtos”, conta Silva.
De acordo com o chefe de gabinete, nem mesmo a casa do prefeito Ederzio de Jesus Mendes saiu ilesa. Há algumas semanas, pularam o muro da residência e invadiram o terreno, mas ele viu vultos nos fundos, correu para fechar a porta e chamou a polícia. Depois do acontecido, o prefeito optou por adquirir cerca elétrica, concertina e câmeras, objetos que deixaram de ser raridade e passaram a ser usuais em Jangada.
As vítimas
Seo Manoel – nome fictício – tem medo de se identificar. Ele foi vítima de um assalto na semana passada. Os criminosos estavam em busca de uma espingarda, que ele tem em casa para afastar os predadores do galinheiro, o carro e o dinheiro que havia conseguido com a venda de produtos na feira. Ele acredita que o grupo estava vigiando a movimentação da casa e aproveitou-se do dia que alguns diaristas foram contratados para carpir a pequena lavoura de cana. Como estava esperando os trabalhadores, a porteira estava sem cadeado e as pessoas da família não estranharam o movimento. O grupo estava escondido dentro do canavial e, na medida que os diaristas chegavam, eles os prendiam.
“Naquele dia, eu emprestei o carro para a minha filha e pedi para meu vizinho ir comigo na cidade. Eu estava com dinheiro no bolso, mas ajudei com o combustível do carro, comprei milho e sal para os animais. Então, sobrou menos de R$ 300”, relata. Manoel chegou com o carro do vizinho, tomou banho, almoçou e foi se deitar um minuto. Nesse momento, um dos funcionários bateu na janela, pedindo para abrir a porta da casa. O neto dele foi atender, pensando que era alguma demanda do serviço. Quando abriu a porta, deu de cara com o grupo encapuzado. Eles estavam fortemente armados e, enquanto mantinham Manoel e o neto na área, deixaram a mulher dele no quarto, sendo ameaçada por outro integrante. “Eu até pensei em reagir, mas minha mulher estava dentro da casa e tinha os funcionários. Não queria que ninguém saísse ferido. Então, eu rezei e entreguei na mão de Deus”. Segunda a vítima, eles chegaram perguntando do carro de Manoel e não se interessaram pelo do vizinho, que estava lá. Depois, perguntaram de uma espingarda e também da motosserra, que estava emprestada.No final, vasculharam tudo e disseram que não podiam sair de lá sem, no mínimo, R$ 300. “Eles deixaram todo mundo preso no quarto e, quando percebi que eles foram embora, saímos em busca de ajuda. Até hoje fico com as imagens daquele dia na minha cabeça”. Desacreditado de uma solução e sem condições financeiras de contratar segurança privada, a família já decidiu que vai vender o sítio, onde mora há 19 anos. Com os olhos cheios de água, o idoso de 76 anos afirma que sempre sonhou em ter aquele espaço e lutou muito para estruturá-lo.“Mas não vou comprar arma para matar ninguém. Não é minha natureza fazer isso com outro ser humano. Prefiro vender”.
Segurança fragilizada
A reportagem do LIVRE foi até o local onde antes era a delegacia. Havia apenas um carga de carvão e uma de madeira abandonadas no quintal, junto com alguns veículos que, a essa altura, podem ser chamados de sucata. No imóvel ao lado, funciona um posto da Polícia Militar, porém não havia ninguém porque a segurança pública garante dois policiais para cada um dos municípios da região. Sendo assim, quando eles estão em rondas, não há quem atenda. No caminho até Rosário Oeste, a equipe passou pelo posto da Polícia Militar de Trânsito, entre a MT-010 e MT-246, que também está abandonado e tomado pelo mato.
O delegado titular da delegacia de Rosário Oeste, Henrique Trevisan, conta que os autores estão sendo identificados e há esclarecimento de como eles agem. Trevisan explica que são dois grupos distintos. Um que atua na invasão de casas – com alta periculosidade – e outro que atua no furto de gado, que geralmente age no período noturno, evitando contato com o proprietário da área. No primeiro caso, os criminosos entram com objetivo principal de pegar o carro, que geralmente é encomendado.
O veículo é levado para Cuiabá e até que ele passe a barreira da Polícia Rodoviária Federal (PRF), as vítimas são mantidas como reféns. Depois disso são liberadas.Aos invasores cabe tudo que for retirado da casa – dinheiro, joias, equipamentos – e o carro, passa para mão de outra pessoa, que terá a função de atravessá-lo através da fronteira com a Bolívia.“Lá, existe o autor da encomenda esperando. O veículo é trocado por droga e uma terceira pessoa fica responsável por fazer a travessia do entorpecente, que vai para vários locais”.Com relação ao gado, é um grupo menor. Eles entram nas áreas e usam o revólver para abater o animal. Em seguida, no pasto mesmo, eles cortam em partes, deixando a cabeça, vísceras e pedaços pouco nobre no local.Carregam a carne em motos e seguem rapidamente até um local, onde um receptor os aguarda de carro.De acordo com o delegado, o produto é comercializado no mercado individual e, por isso, não se rouba mais que 2 cabeças por vez. Caso ofereçam grandes volumes, chamam a atenção.Em ambos os crimes, os participantes geralmente são reincidentes e depois que saíram da cadeia, voltaram a cometer o mesmo crime.
Sempre os mesmo nomes
Tanto do delegado Henrique Trevisan, como o tenente da Polícia Militar Renan Ishi apontam que os suspeitos são, na maior parte das vezes, reincidentes e, em alguns casos, já foram preso pelos mesmos crimes que praticam hoje. Em uma operação realizada pela PM no final de janeiro, foram presos 4 suspeitos, sendo que um deles era monitorado por tornozeleira e tinha progredido do regime fechado para o semi-aberto há poucos meses. Na mesma ação, foram achados 1 carro, 1 quadriciclo, 2 televisores, 2 roçadeiras, 3 motosserras, 1 lixadeira e 1 motor de água, além de 2 caminhonetes e 1 caminhão que estavam prestes a atravessar a fronteira.
Como se proteger
Ishi explica que o crime nunca é culpa da vítima, mas que algumas medidas podem tornar os moradores da área rural menos vulneráveis:
. Manter os veículos assegurados e rastreados.. Sempre tomar cuidados na saída e chegada da residência.
. Colocar todo tipo de equipamento de segurança e vigilância.
. Conversar com os vizinhos para que um saiba a rotina do outro e possa identificar movimentações anormais.
. Ter muito cuidado com quem coloca dentro de casa. Caso seja abordado e esteja desarmado, não reaja.
. Caso possua treinamento e porte/posse de arma de fogo, aja somente se houver oportunidade adequada.
O que fazer após o crime.
. Buscar socorro imediato caso alguém esteja machucado.
. Ligar para a Polícia Militar, repassando o maior número de informações possíveis. .
Registrar o Boletim de Ocorrência para acionar as instituições e autoridades competentes.