UFA! TÔ CANSADO! (E você, Renata?)
Hoje, 25 de março de 2020, o governo Bolsonaro, através do Ministério da Saúde, autorizou a utilização no Brasil da maior esperança de tratamento da COVID-19, a cloroquina. O governo vai encaminhar mais de 3 milhões de unidades para os hospitais, para pacientes em estado grave. É difícil imaginar uma notícia mais importante neste momento de tanta apreensão para uma população confinada, sem poder trabalhar, sem saber quais são suas perspectivas diante do vírus que avança – e dos boletos, cujos vencimentos se aproximam.Uma notícia que mereceria, sem dúvida alguma, figurar nas manchetes dos maiores veículos de comunicação do país, como de fato ocorreu na CNN, na Record e outros tantos. Não foi o caso, no entanto, do noticiário de TV de maior audiência do país. A edição do Jornal Nacional desta noite teve início pontualmente às 20:30. Até as 21:15 (marquei o horário), foram 45 minutos dedicados exclusivamente a criticar o pronunciamento em que Bolsonaro defendeu a substituição do isolamento horizontal (da população em geral) pelo vertical (somente dos grupos de risco, liberando-se o resto da população para poder trabalhar). O programa chegou a substituir as vinhetas do intervalo por imagens de cidades desertas. A mensagem era óbvia. Às 21:15, “gentilmente”, o programa concedeu 6 minutos para a cobertura da entrevista do ministro Mandetta, na qual ele defendia, em determinado trecho, a posição do presidente da República. Em seguida, mais 40 minutos de entrevistas com médicos com visão contrária à do presidente. Não foi entrevistado nenhum médico preocupado com o exagero do isolamento geral porque, nas palavras da apresentadora, o acerto do isolamento geral “não se trata de opinião, e sim de fato”. Democrático, não? Curiosamente, no entanto, a emissora do mesmo grupo, a GloboNews, entrevistou ontem o renomado infectologista da USP, professor Marcelo Buratini, que manifestou sua preocupação com os excessos das medidas de isolamento e o risco que representam para a economia e (vejam só) para a própria saúde (assistam – link na área de comentários abaixo). Ele não é o único (vejam a manifestação de outro infectologista – também professor da USP – na área de comentários). E assim, após mais críticas ao presidente (com direito à divulgação de um panfleto que, em “altíssimo nível”, chamava Bolsonaro de “presidente da morte”, ou coisa parecida), o programa chegou ao fim com uma inédita atitude do âncora Bonner: ele bufou e disse:- Ufa! Estou cansado! E você, Renata? – Eu também! Sem dúvida. Tão cansados que “não tiveram forças” para transmitir ao público a seguinte informação (repito): Hoje, 25 de março de 2020, o governo Bolsonaro, através do Ministério da Saúde, autorizou a utilização no Brasil da maior esperança de tratamento do COVID-19, a cloroquina. O governo vai encaminhar mais de 3 milhões de unidades para os hospitais, para pacientes em estado grave. Acabei de ler em voz alta o parágrafo acima, marcando o tempo. Leva 20 segundos. A edição de hoje do Jornal Nacional durou 90 minutos. Mas “não deu tempo” deles passarem essa informação; até porque, como explicou o jornalista William Bonner, eles estavam “muito cansados”.Nós também, Bonner. Nós também. Boa noite
Texto de Marcelo Rocha Monteiro
(JCO)