Quer dizer, então, que, não faz muito tempo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), induzido pela manifestação explícita do Congresso Nacional, considerava a introdução do voto impresso auditável, acoplado à urna eletrônica, como mecanismo de maior segurança no processo de apuração eleitoral, e agora, mais que de repente, mudada a conjuntura política, o seu atual presidente, Ministro Barroso, posiciona-se diametralmente contrário à inovação, mediante alegações, no mínimo controversas, que nunca haviam sido cogitadas anteriormente? É isso?!
E o mesmo Ministro, ainda que admitindo a ocorrência de uma invasão criminosa no sistema eleitoral por um hacker (Marcos Roberto da Silva), durante as últimas eleições municipais – como testemunha vídeo divulgado pelo Deputado Filipe Barros (PSL/PR) –, continua, não obstante o gravíssimo fato, a manter a mesma postura de defesa da “inviolabilidade” do programa atual e de oposição ao voto impresso auditável?!
E mais ainda: que um aplicativo que pode ter seu código-fonte adulterado por qualquer programador a poucos minutos do início de um pleito – como já foi fartamente demonstrado por especialistas na matéria (inclusive em sessões do STF e do Congresso Nacional) – continua tendo o aval daqueles que, mais que todos (inclusive por dever de função), deveriam zelar pela máxima segurança do sistema?!
Quer dizer que Ministros do STF/TSE, proibidos pela Constituição de fazer política, decidem, desfaçada e impunemente, assumir o protagonismo das negociações junto a líderes partidários para barrar a implantação do voto impresso auditável, como se lobistas fossem, e depois se sentem “injuriados” com acusações de suspeição por tal patente e despudorada contravenção?! É isso mesmo?!
E tal insistente e estranhíssimo ativismo judicial (político) ignora, de resto, o fato de que os únicos países a adotar o defasado sistema brasileiro – condenado por cortes constitucionais, como as da Alemanha e da Índia, por descumprir o requisito básico de publicidade e transparência na contagem dos votos – são a Venezuela, Bangladesh e o Butão, como se fossem a “vanguarda” do republicanismo democrático e do desenvolvimento tecnológico?! Dá pra acreditar?!
Quer dizer que, ao lado do Ministro Barroso et caterva, também lideranças políticas (como Rodrigo Maia) e partidos (como o PSDB), outrora amplamente favoráveis à introdução do voto impresso auditável – e que inclusive ajudaram a derrubar, em 2015, o veto da ex-presidente Dilma Roussef à emenda constitucional que instituía a norma (hoje ignorada) –, atualmente se apresentam, “enigmaticamente”, como adversários da medida?! Sério mesmo?!
E tal medida, que introduz apenas (e de forma neutra) maior garantia e transparência à contagem dos votos – como manda o figurino de um verdadeiro e confiável regime democrático –, a Justiça, ao arrepio do espírito da Lei, renega-a por mera (e excêntrica) hermenêutica formalista?! Fala sério!!!
Quer dizer que, para formar opinião pública antagônica ao voto impresso auditável, políticos e ministros da Suprema Corte, associados a “intelectuais orgânicos” do caos, plantam na grande mídia a infame fake News de que o voto impresso, ora em discussão, seria o “retorno ao passado” (cédula manuscrita em papel), querendo iludir as massas sobre o verdadeiro tipo de ferramenta em proposição (conferência apenas visual do voto impresso, sem contato com a cédula)?! É verdade isso?!
Quer dizer que aqueles que são contrários ao voto impresso acoplado às urnas eletrônicas por “razões financeiras” (2 bilhões de reais de investimento) são os mesmos que acabam de aprovar, repentina e desavergonhadamente, na calada da noite, sem debate público, a indecente e delitosa elevação do Fundo Eleitoral de 2 para quase 6 bilhões de reais (180%), na maior cara de-pau?! Não é surreal?!
Quer dizer que, em meio a todo esse turbilhão, arrogam-se, os senhores “donos do poder”, tão somente a “nobre” e “insuspeita” palavra de “Suas (“ínclitas” e “honoráveis”) Majestades”, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes (próximo presidente do TSE), como o único “lastro” à condução do suspeitoso processo eleitoral vindouro?! Sério?! Justo o sr. Alexandre de Moraes, quem, à revelia da Constituição (e de seu próprio e “contundente” discurso de posse em favor da “irrestrita” liberdade de expressão), manda, arbitrária e monocraticamente, investigar adversários, invadir residências, caçar e prender cidadãos comuns, jornalistas e até parlamentares, como se monarca absoluto fosse?! É esse o empafiado enredo oferecido, cinicamente, aos eleitores, sem qualquer rubor ou recato?!
Almeja-se, além do mais, a despeito de todo esse pântano de sordidez, um voto de confiança cega no TSE – pretensamente constituído por “deuses incorruptíveis” e não por humanos subornáveis –, mesmo perante a inexistência da prova física das votações (como ocorre hoje) e da transparência do processo de escrutínio (que não deixa rastros para qualquer auditoria) – quando a própria Lei determina que a apuração dos votos (mero ato administrativo) deva ser pública?! Caracas!!!
Quer dizer que o próprio tribunal (TSE) que desenvolve as urnas e os programas, executa o processo eleitoral, investiga as denúncias de fraude, produz e guarda as evidências e, ao mesmo tempo, julga e decide a “partida” pretende que a população confie em sua “infalibilidade” (como na do Papa), ainda que sejam os seus próprios membros, quando acusados de fraude, aqueles que irão julgar a si próprios?! É isso mesmo?! Não será brincadeira?!
São essas, afinal, as pretensas e incontestáveis “salvaguardas” preconizadas por Suas Excelências para afiançar a árdua e desafiadora conflagração eleitoral (este é o termo!) que se avizinha – como se a população, em sua maioria, fosse constituída por uma cambada de idiotas, mentecaptos ou imbecis?!
Apostam, nossos “ilustres” togados e engravatados, que a sociedade brasileira, como de costume, engolirá, mais uma vez, apática e passivamente, “ficando em casa”, tal afrontoso e humilhante golpe de Estado – com “distanciamento social” de tamanho esbulho?!
É isso?! É isso mesmo?!
Então tá!…
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
JCO