As Forças Armadas têm cumprido exemplarmente o seu papel constitucional na Nova República. Isso deve ficar claro logo de início para dissipar quaisquer nuvens carregadas de suspeição que porventura pairem sobre o Exército, a Marinha e a Aeronáutica quanto às infundadas inclinações golpistas que estariam, na imaginação de alguns, alvoroçando os quartéis. Com tenacidade e disciplina, os militares trabalharam durante 35 anos para reconquistar o respeito e a admiração da esmagadora maioria do povo brasileiro. E se saíram muito bem na missão. Durante o período de atuação no regime democrático, bem mais longo do que os 21 anos de ditadura militar no País, as Forças Armadas mostraram inabalável reverência à Constituição, restringindo sua presença na vida nacional às situações previstas na Lei Maior, nem um passo além. E nessas três décadas e meia desde o fim da ditadura não foram poucos os testes de resistência aos quais a jovem democracia brasileira foi submetida.
Por circunstâncias históricas – e que dificilmente se repetirão –, a eleição de 2018 pode ser considerada uma eleição disruptiva. O Brasil, como outros países, passava por uma profunda crise de representação política. A sociedade, esgotada pelo sequestro do Estado por uma súcia de maus políticos, foi às urnas em busca de candidatos identificados com a depuração do trato da coisa pública, com uma nova forma de atuar na política, que nada mais era, a bem da verdade, do que o resgate de valores republicanos como a liberdade, a igualdade de todos perante a lei e a impessoalidade na administração pública.
Embora não fosse um neófito em política, um outsider, como tentou parecer e conseguiu, Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República, mas absolutamente desprovido de um plano de governo. A rigor, para além das platitudes e dos slogans vazios de sentido, o presidente não tinha e não tem sequer uma visão difusa do País que deseja construir. Seus 28 anos na Câmara dos Deputados não serviram para educá-lo sobre nossas renitentes mazelas e possíveis caminhos para superá-las. Não seria exagero dizer, portanto, que, em que pesem outros fatores que contribuíram decisivamente para a sua eleição, o sucesso de um candidato tão despreparado para o elevado cargo que ocupa se deve, em boa medida, à ligação que Jair Bolsonaro conseguiu estabelecer entre a sua triste figura e a reputação das Forças Armadas. Por sua vez, muitos militares viram no então candidato Jair Bolsonaro a melhor opção naquela encruzilhada de nossa história.
Mas, se fazia algum sentido o apoio a Bolsonaro no pleito de 2018, é de estranhar a permanência de militares da ativa e da reserva em cargos do governo federal, passado um ano e meio de mandato, tempo mais do que suficiente para o presidente mostrar quem, de fato, ele é. Jair Bolsonaro jamais comandou tropa e saiu do Exército em desonra. Personifica valores e comportamentos diametralmente opostos aos dos militares, como decoro, disciplina, respeito às instituições republicanas e reverência à Constituição.
No início do governo, costumava-se dizer que os militares no Palácio do Planalto representariam uma espécie de muro de contenção aos arroubos autoritários e antirrepublicanos de Bolsonaro. Eles seriam os garantidores inequívocos do respeito e da confiança que as Forças Armadas inspiram. Mas não é o que tem ocorrido. O presidente é firmemente refratário a qualquer tipo de aconselhamento que não vá ao encontro de suas próprias convicções. Então, que bem pode fazer às Forças Armadas, especialmente aos militares palacianos, seguir ligadas formalmente a um presidente que conspira diariamente contra os valores da democracia e da liberdade?
A eventual saída desses militares do governo não seria traumática, como muitos imaginam, e não teria o propósito de desestabilizá-lo, até porque o próprio presidente já se mostra inigualável nessa tarefa. Prestar-se-ia a preservar a imagem das Forças Armadas, a referência moral que representam para milhões de brasileiros. O País tem muito a ganhar se este valor inestimável não for dilapidado.