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OPINIÃO DO ESTADÃO – A rua não tem dono

por Ornan Serapião
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O presidente Jair Bolsonaro qualificou como “marginais” e “terroristas” os grupos que se denominam “antifascistas” e que foram às ruas no fim de semana passado para protestar contra seu governo. É assim que o presidente da República resolveu tratar movimentos que, a despeito das restrições impostas pela pandemia de covid-19, começam a sair de casa para expressar seu repúdio a ele e a seu sistemático desrespeito à democracia.

Até agora, as ruas pareciam ser um território francamente dominado pelos camisas pardas do bolsonarismo. Hostis à quarentena imposta em quase todo o País para conter a pandemia, esses celerados desafiaram autoridades e realizaram frequentes protestos ao longo dos últimos meses, promovendo aglomerações em locais públicos e, assim, contribuindo para a disseminação do coronavírus, em claro atentado à saúde pública.

Em diversas ocasiões, o presidente da República, em pessoa, participou desses atos, estimulando seus apoiadores a continuar a afrontar governadores de Estado que haviam adotado medidas restritivas – tratados publicamente como inimigos por Bolsonaro. O presidente tampouco pareceu incomodar-se com as faixas de teor golpista que infestavam esses protestos contra o Judiciário e o Legislativo e demandavam “intervenção militar”.

A insolência dos bolsonaristas jamais foi objeto de crítica ou censura por parte do presidente, nem mesmo quando se soube que havia armas no acampamento de seus apoiadores em Brasília – cujos integrantes se apresentam como o “exército que vai exterminar a esquerda”. A líder desse bando chegou a divulgar um vídeo na internet em que faz ameaças diretas de violência contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, dizendo que iria “infernizar a vida” do magistrado.

Além disso, tem sido frequente, nas manifestações bolsonaristas, a presença de símbolos de um grupo paramilitar ucraniano de extrema direita que se identifica com o nazismo. Houve até um deputado bolsonarista que disse que “está na hora de ucrânizar (sic) o Brasil”, referindo-se aos confrontos que derrubaram o governo ucraniano em 2014, especialmente ao momento em que os manifestantes jogaram um deputado em uma caçamba de lixo – sonho de dez em dez bolsonaristas, hostis à política e à democracia representativa.

Para Bolsonaro, esse é o “povo” que “quer liberdade, quer democracia”. Já os cidadãos que, cansados de tanta afronta à democracia, resolveram deixar o confinamento para demonstrar seu absoluto repúdio a essa escalada autoritária, estes são chamados de “terroristas” pelo presidente. “Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile”, disse Bolsonaro, aludindo aos protestos contra o governo chileno em 2019, que em vários momentos se tornaram violentos. “Não podemos admitir isso daí. Isso, no meu entender, é terrorismo. A gente espera que esse movimento não cresça, porque o que a gente menos quer é entrar em confronto com quem quer que seja”, acrescentou o presidente, em ameaça explícita de violência contra seus opositores – exatamente como fez seu ídolo, o presidente americano, Donald Trump, que também chamou os manifestantes que tomaram as ruas dos Estados Unidos de “terroristas” e ofereceu o Exército para enfrentá-los.

Com isso, Bolsonaro reivindica para seus fanáticos devotos o exclusivo usufruto das ruas como local de manifestação. Quem quer que ouse ocupá-las para questionar seu governo, apontar sua inépcia diante da pandemia e da crise econômica e denunciar seus frequentes atentados à democracia é, aos olhos do presidente, um delinquente.

Nada disso é por acaso. Premido pelo coronavírus e seu monumental impacto na vida nacional, obrigado a negociar cargos com a bancada da boquinha no Congresso para evitar um impeachment e assombrado por investigações policiais contra si mesmo e contra os filhos, Bolsonaro parece disposto a derrubar o tabuleiro de xadrez diante do xeque. O presidente inventa um confronto, que tão avidamente deseja, não só para intimidar seus opositores, mas principalmente para desviar a atenção de sua clamorosa incapacidade de governar.

No que depender dos brasileiros decentes, não vai conseguir nem uma coisa nem outra.

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