Nascido de uma junção de vários programas sociais gestados no governo Fernando Henrique Cardoso, o Bolsa Família foi, durante 18 anos, um dos principais meios de transferência de renda do mundo e atualmente contempla cerca de 14,6 milhões de famílias em todo o Brasil. O programa teve seu último pagamento realizado ontem e, agora, será substituído pelo Auxílio Brasil, lançado pelo governo Bolsonaro.
Segundo Cristiano Noronha, cientista político e sócio da Arko Advice, a mudança de nome proposta por Bolsonaro visa descolar a imagem do ex-presidente Lula (PT) do principal programa social do país e colocar a do atual chefe do Executivo. “O presidente tenta fortalecer o programa a partir de um benefício ainda maior e, com isso, criar uma marca social. Os beneficiários desse programa são majoritariamente as pessoas do Norte e do Nordeste, e é justamente as duas regiões onde Lula tem maior vantagem sobre Bolsonaro, de acordo com as pesquisas de opinião”, ressaltou.
O Bolsa Família acabou associado ao governo Lula porque foi em 2003, no primeiro ano da gestão petista, que o Executivo decidiu utilizar o Cadastro Único para unir os benefícios existentes. Entre as principais contrapartidas mantidas de outros programas estava a frequência escolar das crianças da família e a necessidade de acompanhamento de saúde de meninos e meninas, que precisavam estar vacinados, e de gestantes. Essa, segundo especialistas, é uma das características fundamentais para explicar o sucesso do programa. É o que destaca o sociólogo Lejeune Mirhan. “É o maior programa de transferência de renda do mundo. Ele atinge quase um quarto da população brasileira, em torno de 50 milhões de pessoas, e é um programa premiadíssimo no mundo inteiro”, disse. “Muitos países se espelham no Bolsa Família para implantarem programas semelhantes”, acrescentou ele, que considera o Auxílio Brasil um programa “circunstancial”. Roberto Piscitelli, economista da Universidade de Brasília e especialista em finanças públicas, também frisou que o Bolsa Família foi um dos principais programas do gênero do mundo e permitiu que o país saísse do mapa da miséria e avançasse nos índices de educação. “Isso já seria suficiente. Reduziu o nível de pobreza e houve uma ascensão das classes sociais, possibilitando o acesso das classes menos favorecidas a bens duráveis”, elencou. “O fato de o programa ter estabelecido uma contrapartida foi muito importante para melhorar a educação brasileira e dar uma responsabilidade aos pais.” Já César Bergo, presidente do Conselho de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), afirmou que, ao longo dos anos, o Bolsa Família atingiu uma certa “maturidade” e evoluiu de diversas formas. Mas, segundo argumentou, com a chegada da pandemia, ficou claro que havia um sério problema relacionado ao mapeamento de pessoas na pobreza no país. “O que a gente viu com o auxílio emergencial em 2020 foi que havia uma precariedade com relação ao cadastro. Com tanto tempo que o Bolsa Família estava funcionando, esperava-se que o governo já tivesse um mapeamento dessas pessoas”, observou. No entanto, Bergo apontou que, com o Bolsa Família, as condições para pessoas de baixa renda melhoraram, o que permitiu que muitos pudessem se concentrar na busca por emprego enquanto tinham sua alimentação garantida. (CB)