No final da tarde do feriado da consciência negra, a mídia nacional agitou-se com manchetes, que informam:
PF indicia Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e mais 34 por golpe de Estado.
Relatório final com mais de 800 páginas do inquérito das Operações Tempus Veritatis e Contragolpe imputa crimes com penas de até 28 anos de prisão ao ex-presidente, seus aliados e militares de alta patente; PF detalha cronologia de eventos, em 2022, ligados à tentativa de manter o ex-presidente no poder, com plano de assassinato do presidente
Lula, do vice Geraldo Alckmin e ministro Alexandre de Moraes.
Volta ao debate, caracterizar o episódio de 8 de janeiro em Brasília, como tentativa de golpe de estado.
Como sempre, o material será analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação.
Caberá procurador-geral da República, Paulo Gonet, oferecer ou não denúncia à Corte.
Interlocutores do procurador-geral dizem que há a possibilidade de uma denúncia única ser apresentada, reunindo os elementos sobre a tentativa de golpe, fraude no cartão de vacinação, venda ilegal de joias, ataques a instituições e espionagem ilegal de adversários.
A justiça brasileira neste caso passará por uma prova de fogo.
Terá que manter-se isenta na apreciação dos fatos conhecidos, até agora.
É pacífico no direito brasileiro, que não é suficiente para caracterizar um golpe de estado, o início de um protesto político (aliás, condenável por ter sido vandalismo) como o ocorrido em Brasília, em 8 de janeiro de 2024.
Para caracterizar o golpe teria que ter existido pelo menos um grupo armado, estruturado, organizado e fortemente armado “a ponto de colocar em risco a defesa da ordem
constitucional e do regime em vigor pelas forças de segurança e defesa institucional instaladas”.
O artigo 359-M do Código Penal define golpe de estado como crime, punido com reclusão de quatro a 12 anos, assim entendido, como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
O crime de golpe de Estado pune o agente que tenta destituir do poder quem lá chegou legitimamente, através de ações concretas e não apenas hipóteses, ou pensamentos.
Nesse sentido, golpe de Estado pode ser definido como todo movimento violento de desestabilização da ordem e do regime legal e legitimamente instalado, contra a ordem constitucional, com o fim de impor um novo governo, liderança ou regime político.
O golpe em si, não é um regime político, não é um governo, mas um movimento violento de contestação da ordem que prepara o caminho para outra forma de governo ditatorial.
O golpe é executado, regra geral, por aquelas pessoas inseridas no próprio Estado, como os burocratas e os militares.
Portanto, golpe de Estado somente será a ação organizada e estruturada de forma hierárquica, com divisão de tarefas, financiamento adequado e armamento capaz de se contrapor à estrutura de segurança interna e externa do país, leia-se, polícias civil, militar e federal, guardas municipais, segurança interna de prédios públicos e Forças Armadas.
Por outro lado, as pessoas que adentraram e destruíram as instalações dos três poderes não estavam fortemente armadas (dispunha pedras objetos cortantes, porretes etc.), como necessário para um golpe de estado.
Querer dar o golpe de Estado, não basta.
“Cogitationis poenam nemo patitur”
Ninguém é punido pelo pensamento, princípio de que uma pessoa não pode ser punida apenas por seus pensamentos ou intenções.
Ou, como falam os italianos -pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito).
Sabe-se que para um golpe de estado, Bolsonaro teria que contar com o apoio dos Governadores e Prefeitos em sua esmagadora maioria, o que aconteceu em 64 e seguramente não aconteceria agora.
Observe-se que a forma dispersiva como Bolsonaro se comporta demonstra que não havia uma estrutura golpista montada capaz de gerar responsabilidades jurídicas.
O silencio de Bolsonaro após ser derrotado, e a viagem para os EUA demonstram que ele não tinha intenção alguma de tomar o poder e dar um golpe.
Ainda do ponto de vista jurídico, cabe invocar o art. 17 do Código Penal sobre o crime impossível, que não pune a tentativa:
“Art. 17 – Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
A análise ora feita dá os sinais de que, a PF cumpriu o seu dever, ao concluir o inquérito, com o seu entendimento final.
Entretanto, caso na justiça uma denúncia seja formalizada por tentativa de golpe de estado, contra o ex-presidente, seus aliados e militares de alta patente, a ordem legal e constitucional do país estará sendo substituída pela vingança e a perseguição política.
Se isso ocorrer, tempos difíceis estarão por vir.
Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente da CCJ da Câmara Federal – ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br