Sumiço do submersível Titan a caminho do local onde estão os destroços do navio que afundou em 1912 reacendeu a curiosidade em torno do acidente; naufrágio provocou mudanças significativas nos meios navais
Por Sarah Américo/JP
Apesar de ter naufragado há 111 anos, o Titanic ainda é um tema presente nos dias de hoje e faz brilhar os olhos de muitas pessoas ao redor do mundo. Tem quem chega até a pagar US$ 250 mil (cerca de R$ 1,2 milhões na cotação atual) para fazer turismo marítimo e ver os destroços da embarcação, que está no fundo do Oceano Atlântico, a 3.800 metros de profundidade. Na internet, facilmente se encontra vídeos sobre teorias e lendas inverossímeis por trás do naufrágio da, na época, maior e mais tecnológica embarcação já existente. Há, por exemplo, pessoas que “garantem” que ele não afundou e foi trocado pelo Olympic, uma espécie de “irmão gêmeo” — a empresa fez três versões: Titanic, Olympic e Britanic. Nesta semana, o naufrágio do navio voltou a ficar em evidência após um submersível, que levava turistas para ver os destroços do Titanic, ter ficado quatro dias desaparecidos no Oceano Atlântico e ser encontrado apenas na quinta-feira, 22, quando ficou comprovado que ele implodiu dentro do mar, matando os cinco tripulantes. Mas, o que explica todo esse fascínio por trás deste navio que, em alguns anos, deve deixar de existir para sempre (cada dia que passa ele se deteriora mais)? Segundo os especialistas, essa não é uma questão fácil de se responder, até porque difere de pessoa para pessoa. Contudo, pode ser explicada por três fatores: simbolismo, romantização e curiosidade.
“É uma pergunta que mexe muito com a cabeça das pessoas. Acho que isso é simbólico, porque, quando o navio foi construído, era o ‘top’ da tecnologia. O Titanic era o maior, o mais novo e teoricamente mais confortável. Ele era um barco de luxo, como se fosse um sonho… Um sonho tecnológico realizado”, explica Marcos Fernández, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O fato de ter naufragado na primeira viagem, em um acidente que aconteceu em 14 de abril de 1912, causando a morte de mais de 1.500 pessoas, quebrou a fé na tecnologia do transatlântico, tido como perfeito e muito bem construído. “É uma crença em uma tecnologia que não existe mais. Hoje em dia sabemos que a tecnologia tem limites e que ela não pode resolver todos os problemas”, diz o professor. Paulo Sumida, diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, fala que a fama do Titanic de navio inafundável gerou uma curiosidade humana, que aumenta agora que ele está perto de desaparecer para sempre. “Como o pessoal falou que ele está enferrujando rapidamente e possivelmente vai cair mais em ruínas, muita gente, principalmente os milionários, correm para tentar ver esse navio pela última vez.” Sumida também é mergulhador e já se aventurou nas profundezas do oceano.
Para além da curiosidade e simbolismo, há um fator-chave que contribui para a continuação da popularização do Titanic: a romantização. As produções de Holywood — em especial o filme de 1997 estrelado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet — incentivaram o desejo das pessoas de ver os destroços do navio. “Elas querem saber como ele está”, diz o profissional. As ideias dele se assemelham com as de Jordi Mas-Soler, professor do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica na Universidade de São Paulo. “Virou uma espécie de cápsula do tempo e, por isso, eu acho que tem muita gente vá ao fundo do Atlântico para ver os destroços do Titanic”, pontua o professor. Ele destaca que a bordo do navio britânico estavam pessoas com muita influência política e econômica naquele momento, o que fez com que o naufrágio ganhasse muita repercussão.
Sensação de estar no fundo do mar é como a de ser um alienígena
Mas, apesar de todo o fascínio, vale a pena descer a 3.800 de profundidade para ver os destroços do navio e fazer deste lugar um ponto turístico, ignorando os riscos? Vale lembrar que a pressão é quase 380 vezes maior do que a da Terra. Essa, no entanto, é uma pergunta pessoal, e cada pessoa tem uma resposta. Os especialistas não veem problema de o lugar ser aberto à visitação. “Desde que o turismo seja feito com responsabilidade e segurança, não há problema. Pode ser usado para turismo, desde que seja feito de maneira segura”, diz Sumida, acrescentando que a escolha para realizar essa aventura também depende de quanto você ganha — a expedição não é barata. O professor e mergulhador compartilha sua experiência o fundo do mar: o local é totalmente escuro e a sensação é de estar em outro planeta. “Parece que você está em um mundo alienígena. Você está num lugar completamente escuro, onde a maioria dos organismos emite luz. Então é como se você estivesse num céu estrelado, com as luzes piscando”, relata. “Obviamente que depois as luzes do submersível são acesas, você consegue ver o fundo e os animais completamente diferentes dos que vemos na superfície. São seres bem estranhos, bocas enormes, os peixes, alguns outros com formatos bem bizarros. Então, é como se você estivesse em um mundo alienígena, em outro planeta”, acrescenta. Sumida normalmente fica de oito a nove horas dentro de um submersível. “Para descer a 4.200 metros, demorou duas horas e meia para chegar no fundo. O mergulho foi de mais ou menos de quatro horas para ver o lugar, ficar fazendo a pesquisa e coletar amostras. E depois mais duas horas e meia para subir.”
Marcos Fernández, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, lembra que, apesar das razões de cada um para realizar expedições ao Titanic, seja curiosidade ou simbolismo, é preciso lembrar que esse acidente é um símbolo do erro humano. “Foi realmente o erro humano de insistir em entrar numa zona, praticamente a toda velocidade, que se sabia que era perigosa”, ressalta. Fernández estudou e discutiu o assunto na universidade, e afirma que os erros cometido naquela época, como o fato de não ter salva-vidas para todo mundo, teve consequências importantes nos meios navais. “Foi a partir do acidente do Titanic que uma série de medidas de segurança começaram a ser tomadas. Então, de certa forma, o acidente do Titanic foi o fato que provocou, por exemplo, a regulamentação dos barcos salva-vidas, a regulamentação do uso do rádio pelas embarcações, que era uma coisa que estava começando”, explica. “A gente pode encontrar no acidente do Titanic o embrião do que hoje é a IMO, que é a Organização Marítima Internacional, um órgão das Nações Unidas que tem a função de zelar pela segurança da vida no mar”, aponta. O especialista acredita que o acidente do submersível Titan também deverá suscitar mudanças nas questões de construções de submersíveis. O veículo da OceanGate não era oficial, e as pessoas precisavam preencher um termo assumindo a responsabilidade e garantindo que estava ciente de que o Titan não estava certificado e que a viagem era arriscada.