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MENSAGEM DOMINICAL: “Senhor, ensina-nos a orar”

por Ornan Serapião
7 minutos para ler

Por: Esdras Costa Bentho

“Senhor, ensina-nos a orar”, evocava humilde e esperançoso um dos discípulos (Lc 11.1). O incógnito suplicante fizera uma das orações mais breves de toda Escritura. No desejo de aprender a orar, suplicou, e prontamente foi atendido. Jesus ensinou-lhe a essência e o paradigma da oração cristã eficaz.A oração estava presente e arraigada na religião e cultura judaicas de tal modo que não temos qualquer perícope nas Escrituras que interrogue a respeito de sua definição. Ensinar a orar não é a mesma coisa que definir o que é orar. Os discípulos de Cristo, assim como os de João ou dos fariseus, não questionavam seus mestres a respeito do significado da oração. Ensinar a orar diz respeito à liturgia, à forma; definir a oração tem a ver com a teologia.O súplice sabia mais da teologia da oração do que de sua forma. Ele não precisava que Jesus a definisse, pois o povo israelita possuía uma longa tradição teologal e litúrgica nas quais a oração era componente essencial do culto a Javé. O conceito de oração era de pleno conhecimento do israelita adulto, razão pela qual não havia necessidade de o discípulo incógnito perguntar por sua plena significação. Entrementes, sentira a urgência de apreender a sua essência e forma.Apesar de inserido em uma sociedade cúltica e orante, vira que seu Mestre invocava a Deus com a mais íntima comunhão. O particípio presente do verbo proseuchomai, “orando”, possibilita a interpretação de que os discípulos estavam presentes nesse “certo lugar” (Lc 11.1); caso não estivessem presentes, o que parece não ser o caso, chegaram enquanto Jesus ainda orava.Se fazia parte da tradição o rabino ensinar aos seus discípulos como se deve orar, como atesta o complemento “como também João ensinou aos seus discípulos”, então, era oportuno que o aprendente interrogasse seu mestre a respeito do assunto. Assim, embora não perguntasse ao ensinante o que é oração, indagara a respeito de como deveria orar, uma vez que, de acordo com Joachim Jeremias, na época do Novo Testamento, o judeu piedoso “rezava três vezes ao dia”,[1] indicando assim, que não era preocupação do judeu orante a definição de oração, mas em que a oração do Galileu diferia-se da tradição.As duas proposições, como orar e o que é oração demonstram, entretanto, uma relação entre a experiência cúltica da oração e a definição teórica que a orienta. A experiência é a expressão prática, mas a definição, a expressão doutrinária. Se o discípulo fizesse a segunda pergunta, seu interesse seria teológico e dogmático, porém, como fez a primeira, demonstra maior preocupação com a forma e prática da oração do que em sua episteme. A primeira indagação é litúrgica e cultual; enquanto a segunda, doutrinária e teológica. Esta traduz a teoria, mas aquela, a experiência religiosa. As duas não são antagônicas, mas complementares.De acordo com Joachim Wach, a expressão teórica e a experiência religiosa estão entrelaçadas, de modo que uma não se sobrepõe à outra. Segundo o autorA expressão cultual (prática) da experiência religiosa precede a expressão teórica, ou os elementos doutrinais são os que determinam as formas nas quais o culto será realizado? […] A interpretação mais plausível parece ser a que considera tanto a expressão teórica como a prática como estando inextricavelmente entrelaçadas e a que desaprova qualquer esforço de atribuir prioridade seja a uma, seja a outra.[2]Correndo o risco de perturbar a clareza de nossa assertiva, a experiência religiosa para Wach refere-se à expressão prática no culto e nas formas de adoração. A manifestação dessa experiência religiosa se realiza na doutrina (teoria), no culto (prática) e na comunhão (sociologia),[3] isto é, no conteúdo, forma e coletividade.De acordo com o autor, o culto forma, integra, e desenvolve o grupo religioso através de seus principais elementos (a oração, o sacrifício e o ritual).[4] O culto, na acepção sociológica, se compõe dos exercícios religiosos que relacionam e integram o homem e o seu grupo religioso ao sagrado.As experiências religiosas advindas principalmente da prática litúrgica e da comunhão do grupo, segundo Severino Croatto, são influenciadas pela experiência humana que é sempre relacional. [5] Assim, a oração não é uma manifestação religiosa articulada fora da experiência humana e do grupo religioso. Ela pertence ao jogo de linguagem, segundo Wittgenstein[6], e às representações religiosas coletivas que exprimem, segundo Émile Durkhein, realidades coletivas[7] e, como elemento que integra o rito, constitui-se um elemento de mediação hierofânica. Por conseguinte, a oração não é uma manifestação religiosa articulada fora da experiência humana e do grupo religioso.Portanto, o discípulo orante não necessitava do conceito de oração, já que a prece fazia parte de sua experiência religiosa, mas de sua realidade cúltica, transformacional e mediadora, suplantada pelo tradicionalismo de então. As formas mecânicas da oração hebreia contrastavam com a oração vivificante de Cristo, razão pela qual o pedinte suplica por sua fórmula em vez de sua significação.Ainda preso aos tentáculos do tradicionalismo, pensava ele que a essência da oração era sua forma, suas estruturas e ritos. O discípulo conhecia a teoria, mas essa se opunha a prática vigente. Por conseguinte, teoria e forma, doutrina e liturgia não se dicotomizam, muito embora seja possível romper a forma da essência e a doutrina da liturgia. A teoria e a experiência religiosa, por mais que se conflitem, estão entrelaçadas.Wach critica aqueles que separam a teoria (a fórmula racional) da experiência religiosa (a manifestação prática). Considerou equivocada a posição dos teóricos que atribuem à religião um caráter apenas reflexivo e, principalmente, a de Schleiermacher, para o qual as ideias são estranhas à religião e devem ser substituídas pela intuição.[8]Para Schleiermacher, a religião não é conhecimento e muito menos atividade que condiciona a vida moral (ação), mas tão somente sentimento, uma experiência meditativa (andächtiges Erleben), ou como Mendonça define a concepção schleiermacheana, “presença do infinito no finito”Baseando-se na psicologia, Schleiermacher afirma que o sentimento constitui a faculdade peculiar da vida religiosa. Religião não é conhecimento, assim como não é a atividade que condiciona a vida moral, mas é sentimento. Presença do infinito no finito.[9]Ambas as teorias, as que negam o conhecimento teórico e as que atribuem apenas o caráter reflexivo da religião, são opiniões unilaterais que reduzem e minimizam a religião e suas “diferentes formas de expressão”, afirma Wach.[10]Todavia, Wach concorda com Max Scheler, segundo o qual o conhecimento religioso não existe antes de sua expressão cultual. O ato religioso pode ser ato mental [geistiger] de natureza psicofísica.[11] A adoração, por conseguinte, é um dos meios para o crescimento do saber religioso e a linguagem o instrumento que expressa a experiência religiosa. A linguagem religiosa, entretanto, não é neutra, mas traduz a experiência sagrada. É desvelamento e mistério.Félix-Alexandro Pastor, nomeia a linguagem da experiência religiosa como: doxologia cúltica – expressiva da própria fé, sem excluir referências informativas e normativas –, analogia – de tendências informativas –, e homologia – de caráter normativo.[12] Por conseguinte, múltiplas são as linguagens que traduzem a experiência cúltica e religiosa; elas não se anulam e muito menos se excluem mutuamente, pelo contrário, complementam-se.Portanto, não há qualquer contradição no fato de o discípulo inquirir como orar em vez de o que é oração. As duas questões encontram-se no epicentro do culto e sintetizam-se na experiência e na linguagem religiosa.

*Esdras Costa Bentho. Teólogo, Bacharel e Licenciado em Teologia com especialização em Hermenêutica; graduado em Pedagogia (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Formação de Professores), e escritor. Atualmente concluindo o Mestrado em Teologia pela PUC, RJ, atua como professor na Faecad, RJ, trabalha como editor de Bíblias e revisor sênior para editoras cristãs.

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