Transparências definitivamente estão na moda. E muito usadas na aparência meio oculta, uma sugestão do que se quer mostrar – mas não muito – como se postos por detrás de uma bruma. As pernas, umas pontinhas do corpo, uma coisinha aqui, outra ali. Mas transparências e aparências têm muito mais a mostrar. Ou esconder.
A moda cada vez mais usa da transparência na criação, inclusive na moda masculina, que eles andam bem loucos para mostrar seus tanquinhos, tatuagens e bíceps. Recentemente apareceu até um tecido imitando a cor da pele; funciona como uma redinha que segura decotes tornando-os mais comportados, deixando apenas que a imaginação anteveja, uma ilusão de ótica, e em roupas de gala.
Transparências e aparências, contudo, se combinam também em muitas outras coisas e conceitos. Inclusive em nossa cara, me dou conta. Inclusive por ter uma que se eu deixar livre e distraída mostra exatamente meus sentimentos, o que acho do que escuto, o que penso, o que me agrada e desagrada. Difícil disfarçar.
Pensam que isso é legal? Pode até ser, claro, pela naturalidade e sinceridade. Mas por conta disso corro riscos severos. Quantas vezes tive de me concentrar e muito para não mudar uma linha de expressão, congelar o rosto, ao ouvir algum surpreendente absurdo vindo de alguém que eu não poderia ou teria condições de contestar, nem sentido fazer isso até para não me prejudicar. Não dá para ser transparente o tempo inteiro, isso é bastante claro. Já apelei até por me beliscar disfarçadamente.
Não posso dar muitos exemplos, nem nome aos bois, que trabalho em regime de confidencialidade total. Mas há muitos anos fui chamada a uma reunião em uma cidade litorânea de turismo onde um morro se avolumava, começando a despontar na paisagem com todas as suas mazelas, aparecendo em uma das avenidas principais da cidade. O prefeito achava aquilo feio e queria propor e efetivar uma solução que jamais esqueci, principalmente porque ele a declarou, sério, mostrando com as mãos em um movimento de tampar aquilo. A ideia dele era simplesmente construir uma “cortina verde”, como chamou, gigantesca, de quilômetros, que encobrisse a miséria. Entendem o que é não poder mexer um músculo ao ouvir uma barbaridade?
Situação comum na profissão de jornalista. Temos de ouvir, sem pestanejar, explicações, respostas aos fatos que acompanhamos e noticiamos. É muito doido ainda ver também como as pessoas são capazes de falar os maiores absurdos sem corar e tentando nos convencer de sua inocência, de sua “verdade”. Quando acontece acaba sendo uma troca maluca de aparências. Nós não podemos aparentar saber que aquela resposta não tem qualquer transparência. Ironicamente vemos o esforço do outro de se mostrar transparente respondendo com mentiras cabeludas.
Comento sobre esse assunto porque acabei de ver e ouvir pela tevê as tentativas de explicação de um ministro sobre mais uma batida de carteira, mais um golpe, desta vez nos aposentados. E a imprensa ainda obrigada a chamar bandidos de suspeitos.
Pude gargalhar à vontade, livremente. É bom, evita rugas, e nem precisa do botox que está deixando é muita gente com a cara sem expressão. Depois negam que tenham feito qualquer procedimento, com a maior e mais imexível cara dura.
Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano, Coleção Cotidiano, Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br