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MARLI GONÇALVES: O X da questão e o pássaro assassinado

por Ornan Serapião
6 minutos para ler
MARLI GONÇALVES

Um conhecido passarinho azul severamente atingido e destruído por um X – agressivo, dominador, inesperado, preto e branco – tudo diante de mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, foi um fato marcante dessa semana. O assassinato foi dramático, sem choro nem vela. O mandante já é conhecido: trata-se de um bilionário, o homem mais rico do mundo, bem chegado numa polêmica.

Ainda vai levar algum tempo até que todas as penas sejam recolhidas e esquecido o trinar agudo emitido desde a criação do Twitter, em 2006, e que desde 2010 era representado pelo pássaro azul – que viveu, portanto, 23 anos. Chamava-se Larry Bird, em homenagem ao jogador de basquete Larry Bird, e foi tão amado desde que chegou que bastava vê-lo para lembrar da marca Twitter, que nem precisava ser citada por extenso, a rede social enfim comprada e assumida pelo malvado bilionário no ano passado.

Aliás, na ágil rede social, de poucas palavras e longo alcance, diariamente seus mais de 200 milhões de integrantes ativos fazem tweets, em inglês justamente os pios de pássaros, o gorjeio, o chilrear, o pilpiar, pipilar. Não se pode dizer que Elon Musk, o bilionário, não tenha sido corajoso ao efetivar esse assassinato tão dramático. E tão perigoso, ao mesmo tempo.

O Twitter é uma rede social curiosa, inclusive a escolhida como uma espécie de caderninho de recados de dirigentes políticos, de celebridades, onde dali mandam comentários, mensagens, anunciam feitos, tentam se explicar, brigam entre si. Claro, com os “tweets”, muitas vezes evitam o incômodo de ter de lidar pessoalmente com jornalistas.  E dão a impressão de serem sempre eles próprios a conversar com o público, o que é bem distante da realidade.  Isso fez a rede importante, até agora insubstituível nessa função de poder, claro captada e adquirida pelo malvado justamente por saber de seu potencial.

O que não dá, sinceramente, para entender, é como alguém gasta uma fortuna por uma marca reconhecida para mudá-la. Em alguns casos, como os conhecidos aqui no Brasil, quando Quércia comprou o Diário Popular e o fez virar o logo extinto Diário de S. Paulo. Kolynos virou Sorriso, entre outros, mas em alguns casos isso ocorreu por conta de registro de marca ou posicionamento. Não de quase sadismo com o logotipo do passarinho azul executado pelo bilionário, trocado por este horrendo X,  o ícone que invadiu os celulares, os computadores, causando um rebuliço danado, milhares de memes dos internautas, com poucas explicações razoáveis e frieza absoluta.

O “X” da questão também é que conhecemos uma outra história do X, e sem ser o da Xuxa, a mais lembrada por esses dias. Recordam do poderoso Eike Batista, que pretendia ser o homem mais rico do mundo, e que botava X em tudo que era seu, em tudo que tocava? Pelo menos Elon Musk já é o mais rico do mundo. Era EBX, OGX, LLX, MPX, CCX, OSX, MMX… Ele dizia que o X significava a multiplicação das empresas de seu grupo. Pois bem, da fortuna de 30 bilhões de dólares hoje restam apenas pouco mais de 8 milhões de reais, em tantas encrencas Eike se meteu, com cadeia e tudo.

O X é uma letra poderosa. É a incógnita na matemática. O contra, o versus. O cromossomo feminino. Uma letra cheia de sons. Pode ser mesmo o X, mas vira Z (exército, exílio), CS (convexo, perplexo), pode ser S ou SS (próximo, máximo).

Fácil de ser reproduzida sim, sem dúvida, mas também traz em si o fim, a morte. O tal bilionário não para de ter ideias malucas, autoritárias, pensa até em conquistar o espaço com seus foguetes da Space X, com os quais pretende, como transporte, levar terráqueos para colonizar Marte, que o cara pensa alto, vamos e venhamos. Mas lembra dos desenhinhos de quadrinhos e filmes dos falecidos com o X desenhado nos olhos? Choque, surpresa, descrença, espanto e assombro, e também o que não queremos ver. Tal como a cruz, um desenho de linhas que pode mesmo trazer perigosas variações.

Mas, também, claro, poderemos sempre cruzar os braços cruzados em X diante de nossos corpos, nos defendendo dele e de muitas outras ameaças de poderosos, de um jeito ou outro. O passarinho, tadinho, não conseguiu.

Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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