Somos as nossas conexões e experiências, já escrevi isso outras vezes. São elas que proporcionam a nossa visão de mundo e assim as nossas perspectivas. “Manu, o que você vê à sua frente? ”, me questionou um profissional de saúde recentemente. “Você”, respondi. “E eu vejo você, com uma bolsa colorida nas mãos, um sorrisão bonito e olhos curiosos. Você sabe que seus olhos passam essa curiosidade né? ”, sorriu. “Você não está errada na sua resposta, nem eu na minha. Nós só estamos em um mesmo ambiente, mas vendo coisas completamente diferentes”. Passei alguns dias pensando sobre isso e como transformar essa pauta neste texto que você lê agora.
Dia desses, voltando de Salvador, um amigo teve a ideia de entrarmos em Cachoeira para conhecermos de perto Edson Gomes, cantor e compositor baiano de destaque nos anos 80 e 90 através do reggae. Numa escala de preferências, mesmo sendo uma apaixonada por música e manifestações culturais, confesso que o reggae não configura o topo da minha lista, mas ainda assim topei a empreitada, que foi um desastre. Conseguimos achar a casa dele, que apareceu na sacada e disse que não iria descer para tirar uma foto porque estava ocupado. Passei o restante da viagem rindo da decepção do fã, e essa história me trouxe algumas lições na sequência.
Provavelmente incomodado com o meu descaso com a situação, em todas as oportunidades seguintes ele me mostrava letras do artista que retratavam a desigualdade social, violência e mazelas. E o trecho “quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera”, da música Camelô, me trouxe o incômodo necessário para que eu refletisse para além das próprias experiências. E é a primeira frase que me vem à mente quando vejo matérias sobre ações da polícia nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo. Como também me incomoda ter conhecimento das precárias condições de trabalho das delegacias, da falta de estrutura à qual os agentes públicos são expostos diariamente e por aí vai.
Vejo alguns chamando as ações de chacina. Leio outros chamando de faxina. Todas as versões me entristecem. A mãe de um bandido não é menos mãe porque o filho é bandido. A mãe do policial não é mais mãe porque o filho é policial. Nós, todos, vivemos um ciclo desequilibrado que nos expõe como animais, uns contra os outros, numa espécie de jaula invisível muito poderosa, e que nos destrói. De um lado, o tráfico crescendo como opção de renda nas periferias. Do outro, o número de policiais adoecendo do corpo e da mente numa curva gigante e assustadora, por diversos motivos. Políticas públicas eleitoreiras e sem alcance real de transformação de ambos os lados, e a grande questão é: por qual visão de mundo estamos olhando?
Manuela Berbert é publicitária e apresentadora do programa Debate Por ElaSS!