Por Luiz Ferreira da Silva
Apesar do Brasil ser uma República, Luiz Gonzaga é Rei. Os demais por aí, exceto Pelé, não passam de súditos.
Um gênio nordestino, sem igual em nenhum lugar do mundo, com um ecletismo filosófico, que resumo a seguir:
(1) Como Cantor, vozeirão chamando a boiada no clássico “Boiadeiro”, com um apelo forte à vida do sertão.
Vai boiadeiro que a noite já vem
Guarda o teu gado e vai para junto do teu bem
(2) Como Sociólogo, retrata sentimentos profundos relacionados à sina do nordestino que tem que deixar sua terra, com perdas, incluindo seu amor, morrendo de saudades, externado na Triste Partida:
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
(3) Como Endocrinologista, expõe a realidade íntima das meninas que começam a sonhar com o amor à medida que suas gônadas entram em atividades:
Mandacaru quando fulora na seca
É o sinal de que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjoa da boneca
É sinal de que o mor já chegou no coração.
(4) Como Ator, declama seu monólogo, Carolina com K, abordando a figura de uma mulher, descrevendo seu charme e beleza, sob um amor intenso e apaixonado. Lá para as tantas, levando-a para as moitas, dá um recado aos estupradores e desrespeitadores das mulheres de hoje, quando diz:
Mulher querendo é bom demais!
(5) Como Compositor, Asa branca é considerada uma das 3 mais belas canções da MPB , rivalizando com Carinhoso de Pixinguinha e Chão de estrelas, de Sílvio Caldas. Uma melodia tocante e profunda, que representa a esperança de retorno e a saudade da terra e da família:
Quando o verde dos teus oios
Se espaiar na plantação
Eu te asseguro, não chore, não, viu
Que eu vortarei, viu, meu coração.
(6) Como Instrumentista, tirando acordes belíssimos em sua sanfona, encantando o mundo num dueto com Sivuca, outro gênio dos teclados móveis, ambos forjados no duro chão nordestino. Luiz, tocando marchinhas do São João, provoca um fervor nos corações das pessoas, impulsionando-as ao “mexe-mexe”.
(7) Como Professor, que o diga Dominguinhos, expoente máximo da sua aprendizagem. Nunca se negou a transmitir seus conhecimentos e formar sanfoneiros, com humildade e alegria na alma.
( Como Humano, ia aonde o povo estava, como mais tarde Milton Nascimento alertava. Para que os da roça e pobres pudessem lhe ver cantando, nunca cobrou ingresso em suas aparições. Conseguia um patrocinador e num palanque simples numa praça grande ou num terreno amplo e sem cerca, brincava com os matutos e deixava todo mundo feliz. Ele, mais ainda.
(9) Como Benemérito, protegia os seus, os da sua terra, os do seu convívio, com uma simplicidade de dar inveja, Tinha, como ele mesmo cantou, um coração molim:
Meu coração é feito de manteig de pudim,
molim, molim, molim…
(10) Como Inventor do baião, transformou o “São João”, festa que ele se inspirou no roçado pequeno produtor e no sentimento pelos Santos da época – São José, Santo Antônio, São João e São Pedro a maior festa do mundo; mais de 30 dias de arrasta pé:
Ai São João, São João do carneirinho
Você é tão bonzinho
Fale com São José
Peça para ele me ajudar
Peça para o meu mio dar
20 espigas em cada pé.
Então, prezado leitor, sobretudo da faixa jovem, o que dizer mais do Lua, como carinhosamente era chamado pelos íntimos?
Um Homem iluminado, orgulho nordestino, patrimônio brasileiro. (18.09.2024)
*Luiz Ferreira da Silva, 87 anos, pesquisador aposentado e ex- diretor do Cepec. Autor de 75 trabalhos científicos, 5 livros técnicos e 25 obras literárias.
Para contactá-lo: luizferreira1937@gmail.com