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FARRA DO INSS > Escândalo derrubou ministro e presidente do INSS, mas crise persiste

por Ornan Serapião
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As consequências do escândalo bilionário envolvendo fraudes em descontos não autorizados em contracheques de aposentados e pensionistas derrubaram dois dos principais nomes da Previdência Social no governo: o então ministro Carlos Lupi (PDT) e o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. A troca de nomes no alto escalão busca conter o desgaste político, mas a crise está longe de ser superada.

O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.

As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.

Segundo estimativas do governo, cerca de 4 milhões de pessoas foram afetadas, com prejuízo estimado em R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. Um levantamento preliminar do próprio INSS indicou que 97,6% das pessoas com contratos ativos com as entidades investigadas afirmaram não ter autorizado os descontos.

Entenda o caso

Em março de 2024, o Metrópoles revelou, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que 29 entidades autorizadas pelo INSS a cobrar mensalidades associativas de aposentados tiveram um salto de 300% no faturamento com a cobrança, no período de um ano, enquanto respondiam a mais de 60 mil processos judiciais por descontos indevidos.
A reportagem analisou dezenas de processos em que as entidades foram condenadas por fraudar a filiação de aposentados que nunca tinham ouvido falar nelas e, de uma para outra, passaram a sofrer descontos mensais de R$ 45 a R$ 77 em seus benefícios, antes mesmo de o pagamento ser feito pelo INSS em suas contas.
Após a reportagem, o INSS abriu procedimentos internos de investigação, e a CGU e a PF iniciaram a apuração que resultou na Operação Sem Desconto, deflagrada na quarta-feira.
As reportagens também mostraram quem são os empresários por trás das entidades acusadas de fraudar filiações de aposentados para faturar milhões de reais com descontos de mensalidade. Após a publicação das matérias, o diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, foi exonerado do cargo.

Troca de nomes no alto escalão

A reação do governo à operação da PF foi imediata. No mesmo dia em que a corporação cumpriu mais de 200 mandados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou a demissão de Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, indicado por Carlos Lupi.

A saída de Stefanutto, porém, não encerrou a pressão sobre o ministro da Previdência. Lupi foi alertado ainda em 2023 sobre as irregularidades, mas não tomou providências. Além disso, resistiu à demissão de Stefanutto mesmo após a operação, o que incomodou o Palácio do Planalto.

A permanência do ministro se tornou insustentável. Carlos Lupi pediu demissão nessa sexta-feira (2/5) após reunião com Lula, que aceitou o pedido. Em pronunciamento nas redes sociais, Lupi disse que não foi citado nas investigações e destacou que a decisão foi tomada para preservar o governo e permitir que a apuração continue.

“Espero que as investigações sigam seu curso natural e punam, com rigor, os responsáveis por prejudicar o povo trabalhador”, afirmou.

Minimização de impactos entre governo Lula e PDT

Além do afastar Lupi e Stefanutto, o governo buscou minimizar o impacto político, mantendo o comando da Previdência nas mãos do PDT. O novo ministro será o ex-deputado Wolney Queiroz, atual secretário-executivo da pasta e nome de confiança de Lupi.

A escolha é vista como tentativa de conter uma possível ruptura do partido com a base aliada. Nos bastidores, dirigentes do PDT vinham alertando que, caso a legenda perdesse o ministério, poderia deixar a coalizão governista.

Para o lugar de Stefanutto no INSS, Lula nomeou Gilberto Waller Júnior, procurador federal de carreira, com longa trajetória na administração pública. Ele já atuou como corregedor na Controladoria-Geral da União (CGU) e tem passagem pelo próprio INSS. Waller chega com a missão de reconstruir a confiança no órgão e coordenar o plano de ressarcimento às vítimas da fraude.

Ressarcimento às vítimas

Em seu primeiro dia útil no cargo, Waller se reuniu com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e técnicos da Dataprev para discutir os caminhos para devolver os valores descontados indevidamente. Ainda não há uma data definida, mas o governo assegura que os aposentados serão informados por canais oficiais quando o processo estiver pronto.

O presidente Lula afirmou, em rede nacional, que determinou a responsabilização das associações envolvidas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também garantiu que os valores serão restituídos, embora o modelo da operação ainda esteja sendo definido.

Uma das possibilidades em discussão é o uso de recursos próprios do INSS. Caso não sejam suficientes, o governo poderá recorrer à Junta Orçamentária para buscar outras fontes no orçamento.

“Não vejo nada atípico ou que não seja endereçável”, afirmou Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional.

CPMI do INSS
Em meio à crise, a oposição no Congresso tenta capitalizar o caso politicamente. Um requerimento com 184 assinaturas foi protocolado pela oposição para a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do “Roubo dos Aposentados”.

Uma CPMI tem poder de investigação, podendo, por exemplo, requisitar informações de órgãos da administração pública e requerer audiências, inclusive com ministros de Estado.

O pedido é liderado pelo deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO). Apesar do número de assinaturas necessárias já ter sido alcançado, a instalação da CPMI depende de decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que ainda não se comprometeu com a criação do colegiado.

Lygia Lyra/ Arte Metrópoles

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