Por: Frederico Marcelo Kruschewsky Almeida*
Foi em 1955 quando cruzei pela primeira vez o portão do Ginásio da Divina Providência. Tinha então 09 anos de idade. Não passava de uma criança. Os cabelos lisos, loiros, partidos do lado esquerdo, penteados de maneira a formar um “pimpão”, eram fixados com “Gumex”.
Trajava, como todos os demais alunos, calça e blusão caquis, camisa branca, gravata preta e sapatos Vulcabras. Na parte externa do bolso do blusão encontravam-se bordadas as letras G. D. P. Carregava uma “pasta” na qual levava livros, cadernos, lápis de grafite preto e de cores, régua, borracha e a preciosa merenda para a hora do recreio. Vale lembrar que aquela merenda, dali pra frente, consistiria invariavelmente em um pão com manteiga e goiabada ou “sanduíches” de biscoito cream crackers com o “eterno doce de goiaba”. E como era saboroso aquele meu lanche. Vez em quando meu pai dava um “dinheirinho” para eu merendar um pastel no Café Pomar do “Seu” Mariano. Era delicioso.
Após rápida passagem na secretaria com minha mãe, Jacy, fui encaminhado para a sala de aulas. Era o terceiro salão a partir da porta principal do educandário e ficava vizinho ao refeitório do internato. Muitos alunos. Meninos e meninas, para mim todos desconhecidos, à exceção, talvez, de um ou outro. A professora, Leonor, este é o seu nome, indicou-me um lugar para sentar. Claro, entre os “homens”, já que a sala era dividida: de um lado ficavam os representantes do sexo masculino e do outro as “mulheres”. Estava me sentindo um estranho. Tudo era diferente. O colégio era grande demais. Muita gente, muita novidade de uma vez só.
Aos poucos fui me enturmando e perdendo a timidez. Com o passar dos dias comecei a sentir-me parte daquele mundo até então desconhecido. O Divina sempre foi especial, um templo que nunca se esquece. Não apenas por ser singular, único, mas por nos proporcionar um ambiente de família, de fraternidade, de solidariedade na mais pura acepção dessas palavras.
Não é sem razão que digo isto. Lá formei um círculo de amizades que permanece até hoje sincero e despojado de qualquer outro sentimento senão o de irmandade. São pessoas, para mim, muito queridas. São amizades que cultivo com amor, com carinho e, sobretudo, com respeito e admiração.
Naquele ano cursei o 3° primário e de lá só sai depois de concluída a 4ª série ginasial. Foram sete anos que deixaram saudades, que me premiaram com boas lembranças e que me trazem sempre recordações prazerosas de uma época de imensa felicidade.
Rememorar, portanto, aquele período da minha infância/juventude sempre me causa prazer e bem-estar. Muitos são os momentos e as pessoas que me surgem na memória.
No primário, a professora Leonor, durante dois anos consecutivos, e D. Lindaura Brandão, no curso de admissão ao ginásio, foram as responsáveis pela nossa educação. Esta última, inclusive, dava às meninas noções de “prendas domésticas”. Tínhamos também aula de catequese na Capela de Santo Antônio que se comunicava com o nosso colégio por intermédio de uma porta localizada no refeitório.
No ginásio, Litza Câmera, com o seu indefectível “cahier” nobre; Lodi Hage, com suas faixas decorativas; Helena Borborema, sempre a última a sair da sala de aula; Amália, que nos mostrou a necessidade de cantarmos os hinos nacionais sempre com altivez e respeito; foram as professoras que mais marcaram a nossa passagem por tão impar estabelecimento. Não se pode esquecer de fazer referência a Kalila, Oscarlina Marinho, com sua alegria, pujança e vitalidade.
Também no curso ginasial, Plínio de Almeida, com sua alegria e diversidade de aptidões; João Arbage, que nos ensinava a matemática recitando o poema de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”; Antônio Lúcio, o Tote da Livraria Odete, com seus círculos perfeitos feitos à mão livre no quadro negro, ou verde, e com sua constante observação de que ao desenharmos uma árvore, por exemplo, não deveríamos margear as laterais do tronco com linhas de qualquer cor; Queiroz, de trabalhos manuais; Nestor Passos, com sua erudição da língua portuguesa; Simeão, também de português; Vieirinha, Tandick e Aderaldo “Matraca”, de Latim; Nivaldo Rebouças e Walter Moreira, de Inglês; foram alguns dos que, como as mestras acima citadas, se esmeraram em nos transmitir parte do conhecimento de cada um.
E o que dizer de D. Purcina, que administrava o internato com pulso forte, porém amando cada uma das internas como se fosse mais uma filha?; E de D. Julinha, sensora bondosa a tomar conta da turma quando em aula vaga? De Lourdes Hage, a querida tia Lurdinha, eficiência e dedicação na secretaria; de Edite? ainda hoje em atividade, atenciosa como sempre.
Não eram simples funcionárias. Eram mais, muito mais que isso. Faziam parte do corpo e da alma do estabelecimento de ensino criado pela sociedade dos vicentinos em Itabuna. “Vestiam a camisa” do Divina Providência.
Um dia o GDP virou CDP. Deixou de ser Ginásio para ser Colégio da Divina Providência. Não recordo quando, nem por quê. Para nós não foi motivo de preocupação O importante é que aquele pequeno território resplandecia, e ainda resplandece, guarnecendo de aspirações maiores os seus estudantes, incutindo-lhes confiança no futuro e certeza de sucesso.
As lembranças são muitas e permanecem vívidas na nossa mente. A sineta que anunciava o início e o fim das aulas, sem esquecer o horário do recreio; o buraco da corrente no portão de ferro, por onde conversávamos e namorávamos com as internas, enquanto as outras ficavam de vigia; os desfiles de sete de setembro e a eterna disputa com a AFI – Ação Fraternal de Itabuna, que naquele tempo só aceitava no corpo discente estudantes do sexo feminino; por exemplo, são reminiscências que não se apagam.
Também os jornaizinhos mimeografados, e com destaque especial para o “O Fogo” fundado/criado por mim, Ramiro Aquino e Geraldo Borges, que nos divertiam com as “fofocas” e com os artigos publicados, foram muito importantes para nós que vivenciamos o CDP naquela época. Sobre “O Fogo”, que tinha como slogan a frase: “um clarão de inteligência queimando as idéias loucas de estudantes malucos”, é interessante que se ressalve ter sido, possivelmente, o veículo que despertou em Geraldo e em Ramiro a paixão pela imprensa escrita e falada, onde sempre se destacaram e honraram a profissão com a sua competência e probidade.
O Divina sempre se distinguiu no meio estudantil. Os alunos dele egressos para colégios diversos ou para prestarem vestibular em Salvador ou mesmo em outros estados eram, via de regra, bem sucedidos. A receita era muito simples e para todos, professores, alunos, funcionários: empenho, seriedade, dedicação, amor, fraternidade. Nas competições esportivas o resultado não era diferente. Sempre esteve entre os melhores.
Dos muitos colegas que tive não existe um sequer de quem não guardo grata recordação. Alguns, como é o caso de Valdemir, de Camilo Assis, Leto Riela, entre outros, já não se encontram entre nós. Muitos, a citar Roberto Miguel, Roberto Cravo, Luiz Carlos Teixeira, Humberto Neto, Hildete e Ilma Teixeira, José Ambrósio, José Guilherme, Vera Lúcia, Darcy, Sônia Assad, Marco Aurélio, estão fisicamente distantes. Mudaram-se para outras cidades. Em Itabuna permanecem alguns poucos, a exemplo de Conceição Sá, Lourice Salume, Nilton Lavigne, Ramiro, Geraldo Borges, Urandi Riella, Carlos Riella, José Frederico Neto.
Foi em 1955 quando cruzei pela primeira vez o portão do Ginásio da Divina Providência. Tinha então 09 anos de idade. Hoje estou com 59 anos. São decorridos, portanto, 50 anos e ainda hoje recordo-me perfeitamente daquele momento mágico.
O Divina a gente nunca esquece. Ele tem sempre um lugar de honra reservado em nosso coração e em nosso pensamento. Ele tem uma parcela grande de responsabilidade na formação de cada um de nós. Cada um de nós faz parte do Divina e o Divina faz parte de cada um de nós. É uma simbiose perfeita, uma comunhão de ideais, um entrelaçamento de sentimentos. Uma lembrança perene, um amor irrestrito.
* Frederico Marcelo Kruschewsky Almeida
Matéria escrita em Itabuna, outubro de 2005
P.S. – Por lembrança de Nilton Lavigne, não podia deixar de registrar, mesmo tendo esta crônica sido escrita há cerca de um ano(2006), a exigência de D. Lindaura com relação ao comprimento das saias das meninas. A barra de cada uma delas deveria estar a uma distância estabelecida do chão. Isto fazia com que durante o desfile de 7 de Setembro, por exemplo, estando as alunas enfileiradas, a altura da extremidade inferior das saias estivessem na mesma altura uma das outras causando um visual estético e, por conseqüência, bonito.
Itabuna, 14 de novembro de 2006
*FREDERICO MARCELO KRUSCHEWSKY DE ALMEIDA, nasceu em Itabuna, em abril de 1946, na antiga Maternidade dr. Alberto Barreto.