Um dia depois da conclusão do julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, o governador Cláudio Castro recebeu O GLOBO no Palácio Guanabara para fazer um balanço do plano de ação para o combate à letalidade policial aprovado, de forma conjunta, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Embora afirme que não considera a decisão uma vitória do governo, Castro deixou clara sua satisfação com o resultado. Ele chama para si a responsabilidade sobre a determinação de elaborar um plano de reocupação dos territórios dominados pelo crime em 180 dias e diz que “será algo grande”. Defende o uso de helicópteros como plataforma de tiro e, ao mesmo tempo em que critica a politização da questão da segurança pública, manda um recado indireto aos adversários quando diz que os “defensores” de criminosos “perderam a ação”.
O senhor defendeu várias vezes que a ADPF 635 era uma limitação à atuação da polícia e que isso explicaria, ao menos em parte, o avanço dos criminosos, já que se sentiriam à vontade para agir. O caminho para a solução do problema da segurança pública no Rio está aberto?
É importante destacar que eu vinha falando sobre quatro pilares. Um deles era a ADPF. A questão das fronteiras é outro ponto fundamental. A entrada de armas e drogas, por exemplo, atingiu um recorde. Outro tema que eu sempre ressaltei são as decisões dos juízes, que alegam seguir uma orientação do CNJ para soltar criminosos envolvidos em delitos de baixo impacto. Isso acabou se tornando um grande incentivo para a prática de assaltos. O quarto pilar que eu menciono é a decisão do STJ, da Sexta Turma, que desqualifica a lei de armas para a lei de drogas. Ou seja, o fuzil passa a ser um presente nas mãos dos traficantes. Quando analisamos todos esses fatores juntos, percebemos uma espécie de tempestade perfeita na segurança pública.
Mas a ADPF sempre foi tratada pelo senhor como um dos principais entraves, não?
Eu tinha três críticas básicas à ADPF. Uma delas é o conceito da extraordinariedade que, juntamente com a questão da câmera (corporal usada pelos agentes), inibe a atuação policial, tanto que o relatório do CNJ de 2023 mostrou isso, que o Comando Vermelho expandiu absurdamente depois da ADPF. Eu criticava também a questão do aviso a uma porção de órgãos e as limitações territoriais, como hospital, escola, o que fez com que a gente visse traficante guardando arma, guardando droga em escola porque a polícia não podia ir e, por fim, o uso dos helicópteros.
O senhor é a favor do uso do helicóptero não só como apoio tático, mas também como plataforma de tiro?
Sou favorável. Tem hora que é fundamental e, inclusive, resolve sem causar nenhum dano colateral.
O estado não assume, com isso, o risco de atingir um inocente?
Em 32 anos de estudo de segurança pública não tem sequer um relato de inocente atingido por bala vindo de uma plataforma de tiro de helicóptero.
O senhor não via nada de bom na ADPF?
A questão da ambulância (durante operações), eu concordo, de ter que ser preservado o local quando tem morte, que a perícia tem que funcionar, que a polícia não pode entrar na casa das pessoas se não tiver indícios claros… Eu não gostaria que entrassem na minha casa. Se eu não quero que entre na minha casa sem um indício, não posso aceitar que o meu policial entre na casa de ninguém assim. Existe uma previsão legal para entrada. Concordo plenamente com o Ministério Público ser o nosso controle externo da atividade policial, tem que ter.
A decisão do STF determina a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas pelo estado. Como será esse plano?
Entendo que esse é o maior desafio agora. Temos 180 dias para fazer um programa de retomada. Eu, pessoalmente, vou liderar esse processo. Já começo a primeira reunião na semana que vem. Vou começar com as polícias, mas vou chamar os prefeitos, os entes federais, as universidades, a imprensa, para discutir. Será algo, em primeiro lugar, grande. Não adianta fazer um programinha aqui, outro ali. Tem que ser grande. E, como diz a decisão (do STF), tem que ter participação da União no financiamento disso.
A decisão aponta que essa retomada de território não seja apenas do ponto de vista de ocupação policial, mas de presença do estado, de políticas públicas…
Eu acho que ninguém quer ocupação policial. O governo não quer, a polícia não quer, a comunidade não quer, o Judiciário não quer.
Governador diz que vai comandar reocupação de comunidades — Foto: Guito Moreto
O senhor não vê a ocupação policial como saída?
Tem hora que é a saída. Mas não é o que a gente quer como política pública. Tem horas que você tem que fazer, porque há uma situação de conflito, lembrando que mais da metade das intervenções policiais não é polícia contra o criminoso, é a polícia apartando guerra entre eles. Esse é um dado também muito curioso.
Mas qual a direção que o senhor pretende tomar? Será uma política de mais enfrentamento, uma política voltada para a questão social, de inteligência?
Já é a inteligência. Nos últimos 4 anos, são quase R$ 1 bilhão por ano em investigação, software, equipamentos de proteção. É uma obsessão minha essa questão. A gente decidiu botar a câmera corporal antes da ADPF e já compramos as câmeras embarcadas em veículos. Essa é uma máxima da nossa política de segurança: inteligência, investigação, tecnologia.
A decisão fala sobre o incremento da participação da Polícia Federal notadamente nos crimes com interface interestadual ou internacional e também a participação do Coaf. Como o senhor viu essa decisão?
Eu venho pedindo isso ao longo dos últimos dois anos. Nós fizemos o Cifra (Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos), colocando a Polícia Federal e o Coaf, mas desde que o ministro Flávio Dino saiu (do Ministério da Justiça), nenhum ente, nenhum funcionário do Governo Federal, nunca mais participou. Virou um comitê só estadual. Não quero, não gostaria, da Polícia Federal subindo comunidade. Eles não são treinados para para isso. A chance da gente perder um servidor qualificadíssimo é enorme.
Essa atuação da PF não pode criar um atrito ou constrangimento com a Polícia Civil?
Se criar, é pura vaidade. A gente não pode ter vaidade em segurança pública. É só definir bem quem faz o quê.
E sobre a possibilidade de aumento da letalidade?
Não consigo enxergar nada diretamente que me mostre que vá aumentar. A decisão não liberou a polícia para matar em momento algum, ao contrário. Ela fala muito em uso comedido da força, ela vem repetindo várias vezes esse tipo de expressão. A retirada do conceito de extraordinariedade vai permitir que seja feito um policiamento mais ostensivo. Quanto mais ostensivo, teoricamente, menos confronto você tem.
O senhor considera que a decisão sobre a ADPF foi uma vitória do governo?
Não considero que haja vencedores e vencidos. Quem venceu foi a segurança pública, o direito de ir e vir, e a perspectiva do fim de um estado de coisas verdadeiramente inconstitucional, que é a dominação territorial por parte de grupos criminosos.
Qual recado o senhor mandaria para a grande maioria de pessoas que vive nas favelas e não tem ligação com o crime?
Ontem (quinta-feira) foi o fim da politização de um debate. Então, o meu recado para a sociedade é o seguinte: agora a gente está liberado para voltar a fazer segurança pública de verdade. Porque até então um partido político (o PSB, autor da ADPF 635) politizou tudo que a gente vinha fazendo.
E para os criminosos?
Que os defensores deles perderam a ação e a gente vai continuar combatendo eles.
Por extra.globo
Foto: Guito Moreto