SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A extração de sal-gema, matéria-prima para a fabricação de soda cáustica e PVC (tipo de plástico utilizado na construção civil), traz riscos socioambientais devido ao tipo de mineração subterrânea que implica em sua remoção, explicam especialistas ouvidos pela Folha.
É um desses riscos que levou ao afundamento do solo em Maceió, capital de Alagoas, onde o Ministério Público determinou a suspensão da exploração de minério pela Braskem devido ao risco iminente.
Normalmente, no processo de mineração subterrânea, é comum construir o acesso até o local de extração do minério, explica o geólogo e professor da USP, Pedro Luiz Cortês. “Você constrói o acesso, mas o impedimento aí é a profundidade, que chega a 1.200 metros”, afirma.
O sal que é recolhido fica abaixo de outras seis camadas de rocha sedimentar, todas altamente friáveis (não são rochas compactas, como granito): uma camada de sedimento arenoso e argiloso, logo abaixo do solo; uma camada de calcarenito (tipo de sedimento com alta concentração de calcário); uma camada de arenito do tipo folhelho (organizado em lâminas); um conglomerado, também de arenito, com um pouco mais de solidificação; uma nova camada de sedimento calcário do tipo folhelho; e, por fim, o sal.
Os poços da Braskem são tubos que alcançam diretamente a camada de sal, entre 900 e 1.200 m de profundidade. Por meio deles, uma água com forte pressão e temperatura elevada é expelida para dissolver o sal. A água com sal resultante é empurrada para cima e pelas laterais da tubulação até a superfície, onde é extraída. O processo de dissolução do sal deixa buracos como galerias na rocha.
Tanto os buracos gerados pela dissolução do sal (que deixa um aspecto de “queijo suíço”) quanto as camadas acima são altamente permeáveis à água. Como o lençol freático está bem acima da camada de sal, a água acaba circulando pelas diferentes camadas do solo.
Segundo Cortês, com a extração do minério ao longo de décadas, os 900 m de solo acima da camada de sal não têm mais sustentação. “Você vai dissolvendo as camadas [de sal], mas você precisa de algo que dê sustentação para estas rochas, porque você está removendo parte daquilo que mantinha todo o estrato [nome dado à hierarquia das camadas geológicas na rocha] apoiado. E eles [as mineradoras] acreditavam que a água que preenche os buracos seria suficiente para fazer a contenção”, diz.
Para Edilson Pizzato, professor do Departamento de Geologia Ambiental e Sedimentar do Instituto de Geociências, também da USP, há agora um risco de ocorrer um colapso devido à deterioração das paredes dos buracos. “A pressão da água não era suficiente para segurar a camada, que começou a ceder dos lados. Isso foi se propagando nas camadas acima até chegar na superfície, onde já iniciou um processo de afundamento”, explica.
Pizzato avalia que esse tipo de solapamento, chamado de dolinas (crateras), ocorre naturalmente por exemplo no teto das cavernas calcárias. “Só que ali foi causado 100% por ação humana, enquanto nas cavernas é um processo natural, de milhares de anos”, diz.
ESTUDOS JÁ APONTAVAM RISCO
Não era surpresa que a situação em Maceió iria se agravar. A primeira fratura na superfície foi observada em 2018, no bairro de Pinheiro. À época, a Defesa Civil Municipal solicitou a remoção da população no entorno. Um estudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), um ano depois, identificou que a origem da fratura foram, de fato, os poços de mineração.
Um outro estudo, assinado por pesquisadores da UFAL (Universidade Federal do Alagoas) e publicado em 2021 no periódico científico Scientific Reports (do grupo Nature), analisou imagens de satélite por um período de 16 anos (de 2004 a 2020) o risco de fraturas na área dos poços de mineração, próximo à Lagoa Mundaú. Segundo o artigo, a situação observada em 2019 já era esperada nos modelos que incluíam a erosão da rocha pela extração do sal e subsequente desabamento das camadas superiores, em um efeito em cascata.
Na falta de uma análise mais detalhada de quais os lugares onde há as prováveis fraturas, a Defesa Civil determinar a evacuação da área é algo esperado, mas acaba novamente caindo nos mesmos problemas de sempre: falta de planejamento.
“Isso causa espanto, porque se houve uma avaliação técnica, era preciso levantar [esse parecer]. Lembra o que ocorreu em Mariana, em Brumadinho, onde o risco de acidente foi minimizado. Se ontem não aconteceu, então hoje também não vai, e amanhã também não, até o dia que acontece”, afirma Cortês.
Quando iniciou a exploração do sal, na década de 1970, a mineradora utilizou poços já abertos pela Petrobras, em busca de petróleo justamente nas camadas pré-sal (não foi encontrado petróleo, mas sim sal em abundância).
“A gente sabe que os estudos de impacto ambiental são uma exigência muito mais recente. Além disso, como era do interesse de uma empresa estatal, a Petrobras, explorar petróleo, ainda mais durante a ditadura, não houve emissão de nenhum parecer impedindo a mineração”, avalia Pizzato.
A reportagem questionou a Braskem sobre possíveis estudos de impacto ambiental e autorizações para exploração na área, mas não houve resposta até a publicação. Procurada, a ANM (Agência Nacional de Mineração) também não retornou.
Em notas anteriores, a empresa disse que tem monitorado o local e que dados atuais “demonstram que a acomodação do solo segue concentrada na área dessa mina e que essa acomodação poderá se desenvolver de duas maneiras: um cenário é o de acomodação gradual até a estabilização; o segundo é o de uma possível acomodação abrupta”.
A empresa disse que a área atingida está desabitada desde 2020 e que houve a realocação dos moradores de 23 imóveis localizados na área de risco.
NÃO É POSSÍVEL PREVER QUANDO VAI RUIR
Embora a situação seja alarmante, não é possível prever quando novas fraturas ou o desabamento da superfície devem ocorrer, diz Cortês. “Esse processo, ele pode demorar anos, ele pode aumentar em ritmo acelerado, depois diminuir, até colapsar e depois estabilizar.”
Para saber o ritmo de progressão, um estudo geofísico mais detalhado seria necessário. Na ausência, a evacuação das pessoas que estão na área de risco é fundamental, avalia Pizzato. “Ninguém sabe como está [a erosão na camada de sal], você precisa fazer uma sondagem detalhada, mas na espera, não é possível deixar aquela população ali.”
Entenda o histórico:
Anos 1970
Governo estadual autorizou em Maceió extração de sal-gema –uma matéria-prima usada na indústria para produção de PVC e também cloro, ácido clorídrico, soda cáustica e bicarbonato de sódio.
A empresa que deu início à atividade foi a Salgema Indústria Químicas de Alagoas, que depois passou a ser chamada de Braskem. Apesar de o órgão ambiental da época não recomendar as extrações, a atividade na região aconteceu a partir de 1975.
2018
Após mais de 40 anos de extração na região, um tremor de terra foi sentido em março de 2018. Na época, também foram registradas rachaduras em casas, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras, segundo o MPF, sem aparente motivo.
No início, as reclamações partiam do bairro do Pinheiro, mas no mesmo ano foram registradas também no Mutange e Bebedouro. No ano seguinte, moradores do Bom Parto também reportaram danos em suas residências.
Após o episódio, foi dado início a uma investigação para entender o que motivou o fenômeno na região.
2019
No ano seguinte, o Serviço Geológico do Brasil (antigo CPRM) concluiu que as atividades de mineração da empresa Braskem em uma área de falha geológica causaram o problema. No laudo, cientistas afirmam que o tremor de terra de 2018 aconteceu em razão do desmoronamento de uma dessas minas.
Segundo o estudo, aquele não foi o único tremor, pois os laudos apontam a existência de outras minas deformadas e desmoronadas. Desde então, o MPF em Alagoas acompanha o caso. Em meados de 2019, ocorreram as primeiras evacuações do local.
Até então, havia 35 poços de extração em área urbana. Os poços estava pressurizados e vedados, porém a instabilidade das crateras causou danos ao solo, que foram visíveis na superfície.
Desde então, mais de 60 mil famílias dos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol foram realocadas para outros pontos da cidade. Após o laudo que apontou a exploração como responsável pela instabilidade da região, foram fechadas 35 minas da região de Mutange e Bebedouro.
2023
Na quarta-feira (29), após novos tremores serem sentidos na região, a Defesa Civil emitiu um alerta em que afirma que a mina de número 18 Braskem está em risco iminente de colapso. O alerta do órgão acontece após
De acordo com o órgão, a população que mora próximo à área atingida foi orientada a deixar o local e procurar abrigo, e a prefeitura decretou estado de emergência por 180 dias.