Cuidar da despesa é muito mais importante, mais produtivo e menos perigoso para o País, neste momento, do que relaxar o controle das finanças públicas
Seria um erro mudar a regra do teto de gastos, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ele está certo. Cuidar da despesa é muito mais importante, mais produtivo e menos perigoso, neste momento, do que relaxar o controle das finanças públicas. Afrouxar o limite seria esconder o problema, em vez de tentar resolvê-lo, ponderou o deputado. Esse comentário vale como defesa da seriedade. O governo mal começou a arrumação de suas contas e será preciso alcançar resultados sólidos, nos próximos anos, antes de relaxar. Será fundamental mexer na composição da despesa e, como parte do esforço, na qualidade da administração.Já muito apertado, o Orçamento-Geral da União ficará mais estreito no próximo ano, como se viu pela proposta recém-apresentada ao Congresso pelo Executivo. Todos os ministros terão pouco dinheiro para suas tarefas e alguns deles têm batalhado por mudança no limite do gasto.As pressões têm partido principalmente da Casa Civil e de grupos militares próximos do presidente da República, segundo informou o Estado na edição de quarta-feira. A equipe econômica tem resistido.Não se tem falado oficialmente sobre as pressões e sobre o debate, mas o próprio chefe de governo já se queixou do aperto financeiro. “Eu vou ter de cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na quarta-feira de manhã, ao comentar a questão do teto. Ele já havia mencionado em mais de uma ocasião as dificuldades para continuar custeando as atividades militares. Sem defender explicitamente a mudança do limite constitucional para os gastos públicos, ele tem, no entanto, alimentado as queixas.Criado por emenda constitucional no governo do presidente Michel Temer, o teto de gasto tem sido um importante fator de disciplina fiscal. Pela regra, o aumento da despesa de um exercício para outro pode corresponder no máximo à inflação do ano-base. Não há, portanto, crescimento real.Essa limitação deve contribuir, em princípio, para o reequilíbrio das contas e para a obtenção, dentro de alguns anos, de superávits primários. Com esse dinheiro o governo poderá liquidar pelo menos os juros e conter a expansão da dívida pública, muito grande pelos padrões internacionais.Nenhum avanço no conserto das contas públicas será suficiente sem uma revisão dos gastos e de seus critérios. Para tornar o Orçamento mais flexível será necessário eliminar as vinculações entre receitas e aplicações e tornar a administração mais eficiente. Isso permitirá, por exemplo, mudar a destinação de recursos de acordo com a evolução das prioridades. Também será conveniente mexer nas normas de administração de pessoal, tornando-as menos engessadas, mas sem facilitar a politização de admissões e demissões.Reformas como essas deverão envolver muito debate e muitas pressões, principalmente corporativas, mas nunca se avançará o suficiente sem cuidar desses assuntos.A curto prazo, o governo terá de continuar enfrentando as dificuldades associadas ao teto. Se for indispensável, será possível, de acordo com a regra em vigor, recorrer aos chamados gatilhos para conter os gastos com servidores. A regra do teto já contém um remédio para aliviar as dificuldades em casos muito especiais.A situação seria menos complicada se o governo tivesse cuidado mais cedo de providenciar algum estímulo ao consumo e ao crescimento. Demorou muito para pensar em algo como a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do PIS-Pasep. Um pouco mais de animação nos negócios teria reforçado a arrecadação e pelo menos atenuado os problemas orçamentários.A equipe econômica deve ter consciência de um risco especialmente importante: qualquer ensaio de mexida no teto poderá desencadear pressões muito fortes para aumento de despesas. Será muito fácil apresentar listas enormes de gastos importantes e urgentes. Se os defensores do ajuste cederem, o desastre poderá ser enorme. O governo adicionará a um primeiro ano economicamente muito ruim a recaída no descontrole das contas públicas.