EDITORIAL ESTADÃO: Inflação de 0,1% assusta o mundo

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Inflação persistente nos EUA alimenta temor de juros altos prejudicando por mais tempo a economia internacional

Má notícia para todo o mundo capitalista, a inflação americana mexeu com as bolsas, incluída a brasileira, afetou os juros e desviou fluxos de capitais, como se os mercados estivessem diante de uma inesperada catástrofe. O grande susto foi causado pela divulgação dos números de agosto, quando os preços ao consumidor subiram 0,1%, numa variação quase nula. Aparentemente espantosa, a reação dos investidores logo foi traduzida, pelas agências de informação, para os mortais alheios aos mistérios do jogo financeiro. O novo relatório divulgado pelo governo dos Estados Unidos embute, de fato, alguns sinais inquietantes, embora o presidente Joe Biden tenha comemorado a quase estabilidade do indicador nos últimos dois meses.

Pelas previsões correntes, a inflação deveria ter diminuído 0,1% em agosto. Com isso a taxa acumulada em 12 meses deveria ter recuado para 8%. Mas o aumento mensal de 0,1% elevou a taxa anual para 8,3%, um número muito alto e muito distante da meta de 2% perseguida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Embora tenha caído nos últimos dois meses, a inflação medida em 12 meses continuou muito próxima do pico de 9,1% alcançado em junho, a taxa mais alta em quatro décadas.

A persistente alta de preços impedirá, segundo analistas, um afrouxamento da política anti-inflacionária do Fed. Os juros, portanto, continuarão elevados, prejudicando a retomada do crescimento econômico nos Estados Unidos e provocando efeitos econômicos e financeiros em muitos outros países, incluído o Brasil. A onda inflacionária global levou também o Banco Central Europeu (BCE) a aumentar recentemente a taxa básica da zona do euro, impondo mais um entrave à atividade econômica.

No Brasil os juros básicos chegaram a 13,75% ao ano. Segundo projeção do mercado, a taxa poderá recuar para 11,25% em 2023, se a inflação ceder. Há um mês, no entanto, estimativas do setor financeiro indicavam uma taxa de 11% no fim do próximo ano. Em 2024, segundo as últimas previsões, os juros determinados pelo BC ainda estarão em 8%, mesmo com a inflação recuando para 3,47%.

Juros altos no mundo rico, especialmente nos Estados Unidos, limitam a política monetária no Brasil. Taxas elevadas na economia americana são muito atraentes para investidores de outros países, interessados tanto em ganhos financeiros quanto na segurança oferecida, por exemplo, por títulos do Tesouro da maior potência mundial. Convém ao BC brasileiro evitar a fuga de dólares, fator de desarranjo dos preços e, portanto, de pressões inflacionárias. Os desmandos cometidos pelo Executivo e pelo Centrão no manejo do dinheiro público já ocasionam muita instabilidade cambial, complicando o trabalho do BC.

Juros altos nos Estados Unidos dificultam o crescimento no mercado americano, um dos mais importantes para o Brasil, e podem atrapalhar a economia brasileira. Há razões consideráveis, portanto, para os brasileiros se preocuparem com a inflação de 0,1% registrada em agosto nos Estados Unidos.

Editorial publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 15.09.2022