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EDITORIAL ESTADÃO: Famílias se endividam

por Ornan Serapião
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Mais famílias buscam o crédito para aumentar seu consumo, mas o número de devedores em atraso também cresce

O aumento do endividamento das famílias, que em agosto alcançou o recorde de 79% dos lares, mostraria, em condições normais, maior disposição dos consumidores de assumir compromissos financeiros para antecipar compras e, assim, estimular a atividade econômica. Esse dado, constatado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), também sinalizaria confiança das pessoas em sua situação financeira. Neste momento, porém, o alto endividamento pode indicar também maior fragilidade das finanças domésticas.

O aumento da proporção de famílias endividadas é expressivo. Em um ano, cresceu 6,1 pontos porcentuais. É provável que boa parte das famílias que assumiram dívidas esteja em uma ou em ambas as situações mencionadas, pois são vários os sinais de melhora do ambiente econômico. A atividade se intensifica, a inflação começa a ceder depois de ter superado os dois dígitos e, apesar dos 10 milhões de pessoas sem ocupação, o desemprego está diminuindo. O crédito, de sua parte, impulsiona o consumo e, assim, estimula o crescimento. Seu crescimento é um dos fatores do aquecimento da economia.

O quadro econômico, no entanto, continua incerto, e o aumento da proporção de famílias endividadas é um dos fatores que alimentam as incertezas. A renda real, por exemplo, não cresce na mesma velocidade que o endividamento. Ao contrário, as estatísticas do IBGE mostram perda do rendimento real médio no período de 12 meses. Em determinado momento, a capacidade de endividamento das pessoas pode se esgotar. Políticas sociais como o Auxílio Brasil, com o pagamento de R$ 600 até o fim do ano, também aliviam os orçamentos das famílias de menor renda, mas o valor atual está assegurado somente até 31 de dezembro.

Não por acaso, analistas veem limite para a manutenção do processo de expansão das dívidas domésticas. “Chega uma hora que se esgota”, disse ao Estadão a economista da CNC Ízis Janote Ferreira. Na sua avaliação, o aumento do endividamento foi uma das formas que as famílias encontraram para manter as despesas correntes. A redução de 7,3 para 6,8 meses no prazo médio dos financiamentos é uma indicação disso. 

Mas, ao mesmo tempo que sua capacidade de tomar empréstimos se esgota, uma parcela expressiva das famílias continua a enfrentar fortes pressões sobre seus gastos, em razão da persistência da alta dos preços de itens de grande peso em seus orçamentos, a começar pelos alimentos.

O aumento constante da inadimplência praticamente desde o início deste ano é o principal sinal de que boa parte dos tomadores de crédito enfrenta dificuldades crescentes para honrar seus compromissos financeiros. Em agosto, 29,6% das famílias tinham dívidas ou contas em atraso; um ano antes, eram 25,6%.

O aumento dos juros tende a criar mais dificuldades para as famílias. Os juros básicos, que estavam em 2,0% ao ano no início de 2021, agora alcançam 13,75%, e ainda podem subir, como observou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “A batalha da inflação não está ganha”, justificou.

Editorial publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo,em 12.09

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