Sancionar o juiz de garantias é mais um ato do presidente para beneficiar o seu entorno
O presidente Jair Bolsonaro governa dando atenção prioritária aos seus próprios interesses. Da família, de currais eleitorais e de corporações que o apoiam. Não mede os riscos de decisões que toma em favor do seu entorno. Chega a retirar radares de rodovias federais para agradar a caminhoneiros. Mesmo que cresça o número de acidentes graves. E vai na mesma direção ao permitir, por meio de portaria, a venda de bebidas alcoólicas em postos de descanso de caminhoneiros localizados em perímetro urbano. Seguiu o mesmo tipo de visão em sanções e vetos na promulgação do pacote anticrime encaminhado ao Congresso pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Vetou, por exemplo, a triplicação de penas para punir crimes contra a honra cometidos nas redes sociais. Sabe-se como Bolsonaro e filhos usam a internet como meio de comunicação.Entre as sanções, a mais polêmica foi a aceitação da figura do juiz de garantias, incluída no projeto pelo Congresso — de forma legítima, por óbvio. Este segundo magistrado tem vantagens. Como afastar da condução direta do inquérito o juiz que dará o veredicto, o que alegadamente eliminaria qualquer viés no julgamento. Há, também, desvantagens. Uma delas, o risco de tornar ainda mais lenta uma Justiça paquidérmica. Mas o pior é que o juiz de garantias foi colocado no projeto de lei em retaliação ao ex-juiz Sergio Moro, por sua atuação na Lava-Jato. A prova é que PP e PT, centrão e a esquerda, alvos atingidos na Lava-Jato, estiveram juntos na empreitada. O movimento que levou a esta manobra foi impulsionado pela vazamento de diálogos supostamente ilegais entre Moro e procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol à frente. As mensagens não valem como prova, por terem sido obtidas de forma criminosa. Nem sua divulgação atingiu a imagem de Moro, o ministro mais popular do governo — mais que o presidente, em fase de perda de sustentação na opinião pública. Outra sugestiva coincidência é que a sanção por Bolsonaro do juiz de garantias pode ajudar seu filho Flávio, enredado em evidências de lavagem de dinheiro, por provocar um provável atraso no andamento do inquérito. É possível que aumente a percepção, detectada por pesquisa Datafolha, de que o presidente não combate a corrupção como prometera na campanha. Na última pesquisa, divulgada no início do mês, 50% achavam que Bolsonaro não cumpria o prometido na repressão ao roubo do dinheiro público. Na sondagem anterior, tinham sido 44%. Outra demonstração de que usa de maneira descuidada poderes da Presidência para retribuir o apoio recebido é o indulto a policiais condenados por crimes culposos. No perdão, também tenta aplicar o princípio do excludente de ilicitude já rejeitado pelo Congresso. O indulto deverá ser levado ao Supremo. Tudo pela já proverbial despreocupação de Bolsonaro com os limites do seu cargo.