Não é possível que a base jurídica contra estes novos gastos bilionários deixe de sustentar o ajuste fiscal
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi feliz ao criticar a queda de um veto presidencial que espetou uma conta adicional de R$ 20 bilhões já este ano no Tesouro, lembrando que esta manobra populista da maioria do Congresso, e, portanto, inconsequente, ocorria enquanto as bolsas mergulhavam em todo o mundo, e o dólar subia com vigor no Brasil.A decretação, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o surto inicialmente chinês do coronavírus se transformara em uma pandemia acionou o estopim do agravamento de uma crise financeira já esboçada. Nesse dia, quarta-feira, 11, a decisão do Congresso criou despesas de R$ 217 bilhões em dez anos, reduzindo em quase 30% a economia feita na difícil reforma da Previdência. A coincidência ressaltou o despropósito dos políticos. Este tipo de manobra de grupos que se consideram fazedores do “bem”, mesmo que destruam as contas públicas — o que irá tornar ainda mais pobres aquele que dizem defender —, atingiu desta vez uma viga estratégica do ajuste fiscal, pondo em xeque inclusive o teto constitucional dos gastos, fundamental para balizar a execução do Orçamento. Os bilhões em despesas a mais surgem de uma mudança na norma de distribuição do Benefício de Prestação Continuada (BPC), distribuído a idosos e/ou deficientes de baixa renda, mesmo que não tenham contribuído para a Previdência. Muito justo. Mas a lei derrubada reduzira de R$ 522,50 para R$ 261,25 o limite da renda até o qual a pessoa pode reivindicar o benefício. O veto voltou a ampliar o número de beneficiados, e assim aumentou os gastos em todos estes bilhões.A situação é grave, também porque o enfrentamento da epidemia do coronavírus, que ainda não explodiu no país, mas explodirá, exigirá alguma margem fiscal do governo para atender a necessidades vitais do sistema de saúde. Se em condições normais não era hora de romper com o ajuste, muito menos isso deve ser feito agora, quando qualquer exceção só poderá ser justificada se for para salvar vidas. Não para atender a projetos político-eleitorais de grupos de demagogos. O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, promete que o governo recorrerá ao Supremo e ao Tribunal de Contas em defesa de princípios inscritos na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo 167 da Carta impede que sejam feitos gastos que não constem da Lei Orçamentária e haja despesas que excedam os créditos orçamentários. E a LRF exige a definição da fonte dos recursos para os novos gastos. São claros os princípios. O coronavírus monopoliza a atenção da opinião pública. Mas se a queda deste veto for referendada, o que parece impensável do ponto de vista jurídico, suas implicações negativas perdurarão por muito tempo para além do fim da epidemia.