Crimes digitais no Brasil contam frequentemente com a participação dos donos de contas correntes
O uso indiscriminado de contas-laranja é a grande ponta solta do combate aos crimes digitais no Brasil. São elas que recebem os valores das fraudes e pulverizam o dinheiro, dificultando o rastreio pelas autoridades. E isso tudo com pouca ou nenhuma consequência.
Esse diagnóstico é dos especialistas no assunto que participaram do Seminário Internacional 2024 Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) na sede do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.
O tema foi levantado pela ex-senadora Katia Abreu. Ela destacou que o sistema Pix permite aos golpistas movimentar o dinheiro rapidamente entre contas, em uma pulverização que tende a terminar na compra de criptoativos.
“Não existe nenhuma penalidade para quem aluga conta corrente ou é laranja de uma. Todo o sistema que lida com isso pensa que a criminalização para a conta-laranja precisa existir. E talvez uma consequência administrativa também”, afirmou a ex-senadora.
Ela citou como exemplo a emissão de cheques sem fundos. O responsável é incluído no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos, mantido pelo Banco Central, e fica com restrições até o pagamento ou pelo período máximo de cinco anos.
Além de não haver punição, o aluguel de contas-laranja ocorre às claras, como mostrou um estudo de 2023 da empresa de cybersegurança Tempest. Há registros de pessoas oferecendo contas por valores fixos ou porcentagem do dinheiro desviado.
Possíveis soluções
Katia Abreu mencionou duas iniciativas legislativas que podem ajudar a combater o problema. A primeira é o PL 2.254/2022, que propõe a criminalização da conduta pela inclusão de um inciso no artigo 171 do Código Penal. O projeto está pronto para deliberação pelo Plenário do Senado.
A ideia é punir quem abre ou mantém conta em instituição financeira para ceder o acesso a pessoa ou organização criminosa que atua para desviar recursos por meio de fraudes contra consumidores ou para triangular e ocultar valores obtidos por meio de golpes e fraudes.
Ela citou também a PEC 3/2020, que confere à União a competência privativa para legislar sobre segurança cibernética. Aos estados caberia legislar sobre segurança cibernética aplicada à prestação de serviços públicos e zelar por ela.
“Esses crimes são nacionais e transancionais. Não há limites ou barreiras, e isso dificulta muito a vida da Polícia Federal, que é quem mais tem instrumentos apropriados para seguir o caminho do crime. É preciso um padrão de governança para a busca desses criminosos.”
Conta corrente fácil demais
A iniciativa legislativa conta com a simpatia de Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele destacou que a pessoa que permite que sua conta seja um canal de passagem para dinheiro de fraude não pode ser tratada como vítima.
“Ela é partícipe ou coautora do crime. E, de fato, não há tipificação. As discussões que ocorrem, lá na frente, vão descambar na absolvição por atipicidade da conduta. Estamos sem um enquadramento penal no Brasil”, afirmou Sidney.
Para o dirigente da Febraban, também é preciso pensar em um rigor maior com o processo de abertura de contas correntes em instituições financeiras. Em sua análise, a facilidade com que isso ocorre mostra que o procedimento tem “parafusos a menos”.
“É fundamental que haja o uso de tecnologia, como biometria ou uso de inteligência artificial, que possa efetivamente caracterizar se quem está abrindo a conta é realmente a pessoa que detém aquelas informações.”
Segundo Isaac Sidney, em 2023 os bancos investiram algo em torno de R$ 4,5 bilhões em tecnologia da informação. Ainda assim, é necessária maior cooperação entre os atores do mercado e os órgãos regulatórios.
Katia Abreu concordou com a fala do presidente da Febraban: “É preciso mais critério para a abertura de contas no Brasil. Não pode ser como uma padaria que faz cinco, dez mil pães por dia. Precisa ser algo mais como um croissant”.
Por Danilo Vital / Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília