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CELEBRIDADE – CLAUDIA ALENCAR: ‘EU VENHO DE UMA FAMÍLIA DE ABUSO E VIOLÊNCIA. O HOMEM NÃO EVOLUIU PSICOLOGICAMENTE’

por Ornan Serapião
14 minutos para ler

Atriz de sucessos como Os Imigrantes, Roda de Fogo e Porto dos Milagres, a estrela da TV não teve apenas glamour em sua vida. Depois de presenciar a mãe sendo agredida pelo pai, de quem também apanhava, foi vítima de violência doméstica na vida amorosa e quando esteve presa, no período da ditadura. “Naquela época era normal que não se falasse nada, a lei Maria da Penha ainda não existia. Mas saí vencedora e mais alerta. Depois dessa relação com 20 e poucos anos, nunca mais tive um relacionamento abusivo”, explica. Terapias nunca lhe ajudaram muito. Foi na escrita que encontrou o ponto de equilíbrio. “Através da escrita eu me entendo, coloco para fora a minha dor e isso me cura, assim como a arte cura também”, pontua. Longe da TV aberta desde a novela Rocky Story, em 2016, a atriz vem escrevendo bastante nessa fase de pandemia. “Estou fazendo uma colcha de retalhos com poesia, conto crônica, romance. É, na verdade, uma autobiografia”, revela

Claudia Alencar relata momentos em que foi vítima de violência doméstica (Foto: Vinicius Bertoli)

Claudia Alencar relata momentos em que foi vítima de violência doméstica (Foto: Vinicius Bertoli)

Recentemente, o Brasil ficou chocado ao se deparar com imagens do DJ Ivis agredindo a mulher, Pamella Holanda, com chutes e socos. Em pleno século 21 este tipo de situação é impensável. Mas o cotidiano mostra que são inúmeros os casos de agressões físicas e verbais. Hoje em dia, muitas verbalizam as histórias semelhantes que já vivenciaram. A atriz Claudia Alencar, 71 anos, já sentiu na pele esse tipo de absurdo. Para ela, isso continua ocorrendo nos dias atuais, porque a mentalidade dos homens não mudou. “O homem quer poder e cobiça. Isso é o que o move. Sem poder, o homem brocha. O homem ainda não evoluiu psicologicamente. Eu venho de uma família de abusos. Do meu pai com a minha mãe, comigo, com o meu irmão e nada aconteceu. Era normal naquela época que a mulher não falasse nada, porque a Maria da Penha ainda não existia”, diz se referindo a lei sancionada em 2006.

Claudia relata que seu pai não era movido pelo álcool, como acontece muitas vezes. “Ele batia por bater, batia porque era psicopata. Minha mãe apanhava, eu e meu irmão apanhávamos dele, a gente até escondia da família, mas ele era grosso e incompetente diante dos tios e primos. Todos sabiam, mas se calavam. Não foi por falta de dinheiro que minha mãe não se separou, mas por achar que ela deveria ficar casada a vida inteira. Era uma mentalidade. Ela morreu primeiro e ele casou um ano depois com a amante”, acrescenta.

A violência doméstica se repetiu na vida afetiva. “Quando eu tinha uns 24 anos, namorei um ator que me batia. Um dia, ele quebrou a mão de tanto me bater. E não consegui me livrar dele, porque toda vez que eu queria separar ele me batia. Ainda não era época de denúncia. Mas, eu saí vencedora, mais forte e mais alerta. Depois dele nunca mais tive um relacionamento abusivo”, ressalta."Através da escrita eu me entendo, coloco para fora a minha dor e isso me cura, assim como a arte cura também", observa Claudia (Foto: Vinicius Bertoli)

“Através da escrita eu me entendo, coloco para fora a minha dor e isso me cura, assim como a arte cura também”, observa Claudia (Foto: Vinicius Bertoli)

E prossegue: “O que me ajudou foi a escrita. Eu conversava e debatia comigo mesma e colocava objetivos na frente. Minha terapia foi a escrita. Eu tive uma boa resiliência. Até certa idade me deu medo de autoridade, fiquei com crise de pânico. Depois fui digerindo. Através da escrita eu me entendo, coloco para fora a minha dor e isso me cura, assim como a arte cura também. Aos poucos, fui perdendo esse medo de autoridade, porque no trabalho isso é muito importante você não ter medo de autoridade, você poder enfrentar. Mas isso refletiu muito na minha vida profissional. Por exemplo, na televisão eu ficava calada, não discutia até que eu aos poucos comecei a superar e fui ficando mais forte e com mais personalidade”, diz ela que também apanhou na ditadura.

“Eu participava de um grupo de estudos de teóricos marxistas. Eu era trotskista e realmente acreditava que a gente podia fazer do Brasil um país melhor, que cuidasse mais da educação, da saúde, para que o povo pudesse ter as mínimas condições de vida. Eu lutava para isso fazendo teatro, denunciando as torturas que haviam no Brasil. Nunca participei de luta armada, me recusava, porque sou contra a violência. Mas fui presa, aos 22 anos, posta numa cela de cimento com mais duas companheiras. As sessões de tortura eram constantes com o intuito de delatarmos outros companheiros. Eu jurei não falar nunca. Eu apanhei muito, era esbofeteada, chutada, espancada”, ressalta.

Por toda história de vida, Claudia criou os filhos Yann, 33, e Crystal, 29,  de forma que nunca estivessem nem no papel do agressor nem do da agredida. “Eles tiveram uma educação muito amorosa. Sabem da minha história e têm orgulho de mim, de tudo que sou e são muito amorosos. Então, consegui dar a volta por cima”, aponta ela que ainda não tem netos. Ambos trabalham com marketing, sendo que o rapaz vive nos Estados Unidos.

Atualmente, Claudia mora sozinha. Mas a menopausa e a maturidade não modificaram o interesse no amor. “Eu tenho casos, namoros, o último foi há seis meses e tenho uns candidatos. Pra mim a questão do amor não mudou nada ainda. Eu tomo hormônio, a gente fica querendo ter um companheiro, um namorado, um homem, uma pessoa para conversar, transar, dividir a vida”, diz.Rocky Story, em 2016, foi a mais recente participação de Claudia na TV aberta (Foto: Vinicius Bertoli)

Rocky Story, em 2016, foi a mais recente participação de Claudia na TV aberta (Foto: Vinicius Bertoli)

Mas é caseira em seu estilo de vida, o que foi positivo nesse momento de pandemia. “Eu sempre fui uma pessoa que desenhava, escrevia, fazia joias, que lia. Gosto de ficar em casa. Não sou mulher de shopping, balada. Então, neste período de pandemia, eu fico escutando muita música clássica ou da década de 70, 80 e olhando a paisagem. Sou pessoa mais contemplativa. Às vezes, eu passo a tarde meditando”, explica.

E acrescenta: “No início, fiquei com medo, apavorada se tossia mais, espirrava ou se eu tinha uma dor de garganta. Uma vez, acordei com dor de garganta, mas durou um dia. Raramente, tenho gripe. Depois, fui acalmando, tomando os cuidados que devo tomar, fazendo com que as pessoas tomem cuidados do meu lado também. Hoje, faço musculação, alongamento, esteira em uma academia. E se tem alguém sem máscara, vou lá e falo. Não consigo entender a pessoa sem máscara”, afirma.

Claudia está alguns anos fora da TV aberta. Sua última aparição foi na novela Rocky Story, em 2016. Ela acha que certo aspecto da personalidade pode ter influído. “Sim, porque não fiz amizades com pessoas importantes. Nunca quis, por exemplo, ter amizade interesseira. Não sabia muito bem distinguir se eu gostava da pessoa pelo jeito dela ou porque ela ocupava um cargo importante. Então, resolvia não ter amizade, não fazia rapapé, não ia para festas. Fazia meu trabalho na televisão e voltava para casa”, explica. Na TV paga fez trabalhos como a série Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, projeto de Pedro Vasconcelos para o GNT, em 2020.No final de abril, Claudia é imunizada com a segunda dose da vacina contra a covid-19 (Foto: Reprodução Instagram)

No final de abril, Claudia é imunizada com a segunda dose da vacina contra a covid-19 (Foto: Reprodução Instagram)

E sente por não estar presente na televisão como antes. “Sinto muita falta, porque o trabalho agora é mais sazonal”, lamenta. Licenciada em Teatro pela USP com Pós Graduação em Direção Teatral pela CAL, Claudia, chamou atenção do público por diversos trabalhos. Entre seus personagens, ela destaca Patativa, em Roda de Fogo, sua primeira novela na Globo. “Já tinha sido premiada em São Paulo, havia feito novelas na Band e no SBT, mas ainda não tinha experimentado um sucesso nacional como atriz. Sem garantia de que ia fazer a novela, desisti de uma turnê teatral com Paulo Autran (1922-2007), apostei na minha emoção e me deram um papel pequeno que cresceu como todos os papéis que eu fazia, até que eu e o Osmar Prado, a gente ficou protagonista da novela, arrebentamos”, relembra. E cita ainda a Divina, mulher contida e traída, em Esplendor, a Perla Menescau, de Fera Ferida, e a Epifânia, de Porto dos Milagres.

Mesmo sem estar muito presente nas tramas, explica que o público é sempre muito carinhoso com ela. “Várias mulheres já vieram e choraram de emoção comigo, então, provoco no público uma bela emoção. É muito bom esse reconhecimento, porque arte salva, liberta, alegra, vai na profundeza da alma. Quando era pequenininha desejava ser médica que nem meu avô. Não curo corpos, mas sei que com a minha arte eu curo almas assim como todos os artistas. Todo mundo vive de arte agora, escuta música, assiste muito filme, mas a gente está sem poder trabalhar. Isso é uma tristeza mesmo”, reflete ela que desde o início da pandemia não fez nenhuma trabalho remunerado. “Consegui guardar dinheiro. Quem é atriz e tem um trabalho como o meu, que faz algo hoje e depois dali seis meses, um ano, tem que aprender a economizar, guardar dinheiro e investir. Isso é o mínimo que se deve fazer, porque não tenho dinheiro todo mês na minha conta. Alguns atores, não ganham tanto, então, não podem fazer isso”, assegura.“Várias mulheres já vieram e choraram de emoção comigo, então, provoco no público uma bela emoção", conta Claudia (Foto: Vinicius Bertoli)

“Várias mulheres já vieram e choraram de emoção comigo, então, provoco no público uma bela emoção”, conta Claudia (Foto: Vinicius Bertoli)

Em meio às escritas, ela desenvolve seu sexto livro. “Vou misturar todos os gêneros: poesia, crônica, conto e romance. Vou fazendo uma colcha de retalhos. É uma autobiografia na verdade, então, estou pegando os diários que eu escrevo desde os 11 anos. No início, era aquele diário tradicional, depois foram se tornando reflexões”, explica ela, que antes da pandemia, realizava palestras sobre alimentação saudável, envelhecer bem. Aos 71, ela se sente como se tivesse 50 anos. E lida bem com a passagem do tempo. “Tenho amigos, inclusive, um ex-marido, que é dois anos mais novo e se sente velho, diz que já não enxerga nem lembra das coisas direito. Mas não é o meu caso. Eu não me sinto uma velha. MadonnaCher e Jane Fonda não são velhas. Tem mulheres que não envelhecem por causa da idade. Elas se tornam mais maduras, mas não envelhecidas”, analisa.

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