por Ana Luisa Pedreira*
Foto: Divulgação
Promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em um discurso em março de 2020 e em seguida pelo presidente Bolsonaro, a cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina, saíram de medicações totalmente desconhecidas para as mais famosas do mundo!
Posteriormente, grandes estudos comprovaram sua total ineficácia para o tratamento de Covid-19, porém o discurso político de eleger um remédio para “tratar” ou “prevenir” o vírus, fazia parte de uma estratégia maior de minimizar as medidas restritivas e dizer que a pandemia estava sob controle, um controle que nunca existiu.
E o que aconteceu com as pessoas que realmente precisam usar diariamente essa medicação?
Muitos não sabem mas a droga, descoberta durante a primeira guerra mundial para o tratamento da malária, é também um dos pilares do tratamento de uma doença crônica e autoimune chamada Lúpus Eritematoso Sistêmico. Essa condição afeta principalmente mulheres jovens e compreende desde alterações da pele e articulações até quadros graves como insuficiência renal e óbito. O quadro clínico é tão variado e pode acometer qualquer órgão do corpo que muitos ouviram falar a primeira vez sobre Lúpus, no seriado House e seus casos complexos.
Com a corrida desenfreada às farmácias para compra da Hidroxicloroquina, as pessoas com Lúpus tiveram enorme dificuldade em conseguir a medicação, muitas delas ficaram meses sem usar o tratamento, o que culminou com a piora dos sintomas. No Lúpus essa medicação reduz a atividade da doença, ajuda a prevenir quadros graves, reduz a chance de trombose e aumenta anos de vida!
Por outro lado, a mídia começou a relatar efeitos colaterais graves do tratamento com Hidroxicloroquina para pacientes com COVID-19, como arritmias cardíacas, o que fez com que parte das pessoas que já usavam esse remédio há anos, ficassem com medo de manter o uso e ter efeitos semelhantes, interrompendo por conta própria o tratamento. No entanto, nós reumatologistas com ampla experiência em prescrever essa medicação, sabemos que nas doses certas e para pacientes estáveis, este é um medicamento extremamente seguro. Isso não quer dizer que deve ser usado de maneira indiscriminada!
Por último veio outro cenário, e quem já usa esse medicamento para o tratamento do Lúpus estaria “protegido” de ter COVID? Infelizmente alguns pacientes reduziram as medidas restritivas pois acreditavam estar “protegidos” na pandemia, o que não se mostrou verdadeiro nos estudos publicados.
Quantas vidas lúpicas foram impactadas por um discurso político? Incontáveis. Em muitas cidades brasileiras, a distribuição da Hidroxicloroquina pelo SUS continua escassa até hoje, maio de 2021.
Enquanto isso o Lúpus continua invisível para maioria da população que nem sequer sabe de todos esses fatos que relatei. Como a pandemia afetou o Lúpus? Da pior maneira possível, retirando dessas pessoas, já tão vulneráveis, a chance de manter seu tratamento cientificamente comprovado.
Nesse mês de maio, onde damos enfoque ao Lúpus Eritematoso Sistêmico e outras doenças reumáticas, que possamos refletir sobre tudo o que vivemos no último ano, principalmente sobre os riscos da mistura cruel entre política negacionista e ciência.
Toda vida importa.
*Ana Luisa Pedreira é médica reumatologista e professora universitária
*Artigo reproduzido do Bahia Notícias (13.05)