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Ana Paula Henke: ASSASSINAR A JUSTIÇA EM NOME DO PODER

por Ornan Serapião
13 minutos para ler
Kyle Rittenhouse | Foto: Reprodução

Mais de 250 anos depois do Massacre de Boston, o caso Kyle Rittenhouse mostra que a imprensa, muitas vezes propositalmente, vilipendia e agride a verdade

Na noite de 5 de março de 1770, numa Boston coberta de neve, oito soldados britânicos, liderados pelo capitão Thomas Preston, confrontaram uma multidão de colonos que se reuniram para protestar do lado de fora de um dos prédios da Coroa britânica. Ignorando a ordem de dispersar, a multidão enfurecida se aproximou, jogando bolas de neve, pedaços de paus e conchas nos soldados britânicos.

Quando um dos objetos atingiu o soldado Montgomery, ele disparou sua arma depois de ter gritado aos compatriotas: “Maldito seja! Fogo!”. Os testemunhos variam quanto ao que aconteceu a seguir, mas todos terminam com a tropa disparando contra a multidão. Quando a fumaça se dissipou, três pessoas haviam morrido e várias ficaram feridas, duas das quais morreriam mais tarde.

O Massacre de Boston, o conflito histórico na América Colonial, que energizou o sentimento antibritânico e abriu caminho para a Revolução Americana, começou como uma briga de rua entre colonos americanos e um soldado britânico solitário, mas rapidamente se transformou num massacre caótico e sangrento.

Após os acontecimentos do evento que se tornou um dos mais importantes da história norte-americana, a indignação dos colonos obrigou o governo a prender Preston e seus homens sob a acusação de assassinato e de “serem movidos e seduzidos pela instigação do diabo e de seus próprios corações perversos”.

Nos meses que antecederam o julgamento dos soldados da Coroa britânica, uma batalha na mídia foi travada entre legalistas e patriotas sobre quem era o culpado pelo incidente. Um lado, sem se atentar aos importantes detalhes do evento mortal, tentava incansavelmente incendiar a opinião pública e o júri contra os soldados em manchetes sensacionalistas, caracterizando-os como “bárbaros ferozes sorrindo para suas presas”.

Quase um século mais tarde, no fim dos anos 1800 nos Estados Unidos, o chamado “jornalismo amarelo” (Yellow Journalism) se tornou um estilo de reportagem que enfatizava o sensacionalismo sobre os fatos. Durante seu apogeu, no fim do século 19, o estilo foi um dos muitos fatores que ajudaram a empurrar os Estados Unidos e a Espanha para a guerra em Cuba e nas Filipinas (Spanish-American War). William Randolph Hearst, editor do New York Journal, e seu arquirrival Joseph Pulitzer, editor do New York World, são considerados responsáveis pela criação de um jornalismo marcado por histórias sensacionalistas, o uso de títulos e imagens exageradas e a divulgação de casos que mais tarde poderiam requerer retratações e correções. Pouca checagem. Poucos fatos verificados. Sim, parece 2021.

Duzentos e cinquenta anos depois do Massacre de Boston e mais de um século depois do jornalismo amarelo, ainda é possível ver os frutos obscuros dessa imprensa que, sem se aprofundar nas investigações dos fatos, muitas vezes propositalmente, vilipendia e agride não apenas a verdade, mas a inteligência de cada um de nós. Divisões ideológicas fazem parte do mundo há séculos, mas talvez estejamos testemunhando um dos períodos de maior animosidade no campo político e que anda empurrando o antigo jornalismo investigativo e factual para a rasa militância do proselitismo barato.

Depois de testemunharmos a grande imprensa espancar a verdade durante os quatro anos de Donald Trump na Casa Branca, veio a pandemia e assistimos a veículos de comunicação aplaudirem a censura de jornalistas e a derrubada de canais e mídias de médicos, fazendo-nos entender do que são capazes para manter narrativas.

O caso

Nessa semana, o que já foi considerado parte relevante na sociedade desceu mais um degrau na cobertura do já histórico julgamento de Kyle Rittenhouse, um jovem norte-americano que atirou em três pessoas durante as violentas manifestações do Black Lives Matter que aconteceram em agosto do ano passado. Duas morreram. O caso é emblemático porque demonstra o rápido avanço da deterioração da imprensa, promovida pela nefasta agenda da esquerda radical nos Estados Unidos e no mundo. Aqui em Oeste, seguiremos o papel digno do bom jornalismo — totalmente descartado pela mídia atual — e mostraremos o que de fato aconteceu. Avaliações posteriores ficam a cargo dos leitores.

Na agenda da vil esquerda radical norte-americana, hoje com braços importantes na grande imprensa — ou departamento de marketing do Partido Democrata, como queiram —, havia apenas uma única pauta para 2020: derrubar o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Com as eleições presidenciais em novembro do ano passado, nada mais importava, uma vez que falharam todas as tentativas desde a sua posse, em janeiro de 2017. A morte de George Floyd, em junho de 2020, foi o estímulo perfeito para que grupos terroristas como Antifa e Black Lives Matter inflamassem a opinião pública com manifestações violentas.

A cidade de Kenosha, no Estado de Wisconsin, também foi alvo das ações desses grupos depois que Jacob Blake, um procurado pela Justiça americana, entrou em luta corporal com policiais após ser perseguido e ter resistido à prisão. Na perseguição, os policiais usaram tasers (arma de choque) e, sem sucesso, houve confronto com a polícia — e ele foi alvejado com sete tiros, sobrevivendo aos ferimentos. A violenta militância das ruas dos guetos digitais usou o evento para que a narrativa de “racismo estrutural por parte da polícia” fosse empurrada mais uma vez. Kenosha ardeu em chamas. Literalmente. Seguindo o roteiro de outras manifestações violentas, em meio a uma campanha presidencial que tinha um único objetivo, vândalos tomaram as ruas da cidade e tocaram o terror, destruindo propriedades, atacando a polícia e agredindo pessoas. Bairros inteiros foram queimados enquanto a imprensa noticiava que “manifestações pacíficas” pediam justiça contra um “sistema opressor”.

O governador democrata de Wisconsin se negou a enviar maiores reforços policiais à cidade, mesmo após Donald Trump oferecer ajuda federal na tarde que precedeu o confronto entre Kyle Rittenhouse e os manifestantes violentos. A falta de policiamento fez a comunidade buscar a autodefesa. Temendo mais vandalismo depois de quase uma centena de estabelecimentos terem sido destruídos na noite anterior, donos de lojas começaram a chamar amigos e conhecidos para proteger suas propriedades. Kyle Rittenhouse, que trabalhava como salva-vidas numa cidade vizinha, estava entre os que se voluntariaram para ajudar. Poucas horas antes do confronto que colocaria Kyle em um tribunal, o rapaz de 17 anos havia sido fotografado limpando paredes pichadas pelos manifestantes. Ele tinha familiaridade com armas e treinamento de primeiros socorros, levando consigo um kit médico para eventualmente prestar socorro aos feridos.

Enquanto andava pela cidade, Kyle se perdeu de seu grupo e começou a ser ameaçado e perseguido por Joseph Rosenbaum, que, vendo que o garoto queria impedir o vandalismo, gritava aos companheiros: “Batam nele!”. Rosenbaum foi alvejado quando tentava tirar a arma de Kyle e morreu no hospital. Durante o julgamento de Kyle, que durou duas semanas, os americanos souberam que Rosenbaum era condenado por estuprar crianças de 9 a 11 anos, além de estar sendo investigado por agressão doméstica e conduta desordeira. Nada disso foi reportado pela imprensa.

Logo após atirar em Rosenbaum em legítima defesa, Kyle foi perseguido por uma turba de vândalos e foi atacado por um homem que tentou acertar sua cabeça com um skate. Outro manifestante apontou uma pistola Glock para o rosto de Kyle. Depois de ser caçado e ter atirado em três homens para sobreviver, ele correu para o final da rua onde havia vários carros de polícia e relatou o que havia acontecido. O policial disse para o rapaz ir para casa, mas Kyle foi até uma delegacia de polícia e se entregou, reportando em detalhes todo o episódio.

O julgamento

Nenhum dos envolvidos no terrível evento era negro. Mesmo assim, ativistas de esquerda, incluindo os milhares de militantes de redação e redes sociais, passaram a tratar Kyle Rittenhouse como racista, mesmo sem uma única evidência sobre isso. A esquerda americana e seu gabinete midiático agiram com indignação, sugerindo que o resultado do julgamento que inocentou o rapaz apenas prova que o sistema criminal é racista. Mesmo depois do veredicto que o inocentou, a imprensa continuou a apontar Kyle como um “supremacista branco com licença para matar”. Os principais veículos de imprensa no Brasil vergonhosamente seguiram a linha e, em completa desconexão com a realidade, espalharam dezenas de manchetes sensacionalistas e muitas fake news.

Se a reação da esquerda a esse caso não te assusta, receio que você não entenda o que ela prega e representa

Para quem acompanhou o julgamento e assistiu a uma dezena de vídeos daquela trágica noite, a legítima defesa e a inocência de Kyle ficaram evidentes. Já quem acompanhou pela extrema imprensa desenvolveu uma perspectiva oposta. Pelos militantes de redação, Kyle já estava condenado desde o primeiro dia. Mas havia muito mais diante do tribunal em que Kyle estava sendo julgado. Com a pressão violenta da extrema esquerda digital, havia o ataque ao devido processo legal, à Segunda Emenda Americana e ao direito de legítima defesa. Na mente dos furiosos radicais, esses chamados direitos — presunção de inocência, julgamento por júri, prova de culpa além de qualquer dúvida razoável, etc., — não são as proteções legais fundamentais contra a autoridade arrogante que a jurisprudência anglo-saxônica considerou que fossem. Na mente da esquerda reinante, quando consideram o réu antipático e objeto de suas pautas de poder, subvertem o objetivo maior e mais importante da justiça social.

É assim que se parecem na prática as doutrinas perniciosas da identidade progressista moderna. A “teoria crítica” que subscrevem diz que a verdadeira justiça não pode ser proferida por um tribunal presidido por um juiz cujo resultado é determinado por um júri imparcial. Toda essa estrutura seria um produto próprio do racismo, da opressão e da discriminação. O que eles querem é justiça revolucionária. O veredicto do sistema legal será suplantado pelo “julgamento do povo” para que alguém como Rittenhouse pague pelo crime de defender a si mesmo e a propriedade de outros contra os “terroristas do bem”.

Júris às vezes chegam a veredictos errados. Mas ninguém que assistiu às fases críticas do julgamento de Kenosha pode afirmar que as evidências provaram a culpa do réu além de qualquer dúvida razoável. Longe de representar alguma falha maligna no processo legal, ele mostrou que o sistema americano (ainda) funciona da melhor forma.

Se a reação da esquerda a esse caso não te assusta, receio que você não entenda o que ela prega e representa. Nem até que ponto o veneno desse dogma subversivo é nocivo e já se espalhou através de um movimento político-ideológico que vai contra tudo o que ainda protege nossas liberdade e direitos constitucionais.

Ana Paula Henkel, Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla, e é colaboradora da Rádio Jovem Pan.

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