A Maria Flor!
“Minha renovada inspiração”, um dia, num futuro próximo – e eu tenho a certeza – você saberá por que o seu “Bovô” amanheceu tristonho neste deste domingo, 20 de outubro, e o clima nublado, carregado, soturno em nosso meio não foi diferente. É que, coincidentemente, a cidade ficou sabendo que neste dia uma parte da história de Itabuna foi embora, virou escombros.
Parte da história sim, “Minha Abelhinha”, porque a casa em que Firmino Alves, tido como o fundador da cidade, e Firmino Rocha, seu neto – considerado um dos mais brilhantes poetas baianos – moraram, foi derrubada. E isso aconteceu quinze dias após a realização das eleições e faltando nove meses para julho de 2025, quando Itabuna, no dia 28, completará 115 anos de existência.
Neto de Firmino Alves, José Firmino Alves Rocha nasceu em 7 de junho de 1919, nesta cidade, onde fez política estudantil e militou no Integralismo. Formado em Salvador em Ciências e Letras, publicou “Fiz o Verso” e “Poemas Com Muito Amor” em 1961. Em 1968, “O Canto do Dia Novo” e “Momentos”, em 1969. Apesar de ter sido grande poema, apresentando o lirismo e o misticismo como marcas de estilo em suas obras, Firmino faleceu em Ilhéus, aos 52 anos, em 1º de julho de 1971, sem devido reconhecimento por parte do seus conterrâneos.
Aos dez anos, “Bovô” – na porta do extinto Magazine Cordeiro, esquina da rua Adolfo Maron com a avenida do Cinquentenário, acompanhado da saudosa Dona Bazinha – viu Firmino pela primeira vez, um ano antes de sua morte. E se assustou, naquela manhã, ao se deparar com um homem bem alto, magro, de terno de linho branco, com flores nas mãos, recitando poemas. Cena inesquecível, “Minha Picurrucha”! Até hoje, nítida, clara, presente em sua mente. Um “louco” recitando poemas, gritando “Mãe! Mãe! Mãe!” e oferecendo a flor; mãe na rua com o filho, recebendo flor, e filho lembrando existencia do poeta a uma flor em forma de neta. As histórias se cruzam. Sempre!
A casa onde o poeta morou, “Minha Abelhinha”, está na Olyntho Leone, coração histórico de Itabuna! Batizada em homenagem ao primeiro intendente da cidade, a praça é um lugar cheio de significado. O prédio histórico abrigou a primeira cadeia da cidade e foi a residência do fundador, Firmino Alves. Ao lado, residiu o médico Corbiniano Freire. Mais à frente, a casa onde residiu o coronel Henrique Alves dos Reis.
A praça tem um inestimável valor histórico para Itabuna. Já abrigou a Igreja Matriz e sediou a Prefeitura, e Câmara de Vereadores, os Correios e o extinto Itabuna Futebol Clube – hoje, agencia do Banco do Brasil. Foi ponto de passagem para o gado vindo de Vitória da Conquista para Ilhéus. Local foram realizadas partidas de futebol, eventos religiosos como quermesses, e sociais. Ali nasceu um dos mais importantes obras sociais do sul da Bahia: o movimento da Ação Fraternal de Itabuna – sonhado e idealizado por Amélia Tavares Amado – que originou o Colégio São José da Ação Fraternal.
“Adeus luares de Maio/Adeus tranças de Maria…”, escreveu um dia, em 1949, o seu conterrâneo poeta e acrescenta: “…Nunca mais a inocência, nunca mais a alegria, nunca mais a grande música no coração do menino…”, e finaliza: “…Adeus ribeirinhos dourados/Adeus estrelas tangíveis/Adeus tudo que é de Deus…”. Dizem, “Minha Abelhinha”, que “Deram Um Fuzil ao Menino” – um libelo contra a a Primeira Guerra Árabe-Israelense – está gravada em bronze na sede da ONU, em Nova Iorque, e publicada numa antologia sobre a paz. “Bovô” não tem registro sobre essa placa nem nunca leu essa antologia. Mas isso, agora, pouco importa!
“Bovô” não concorda com o poeta! Prefere receber a flor das suas mãos e te entregar, na esperança de ver você – e as milhares e milhares de “Flores” itabunenses – com, fé em Deus, toda a inocência e alegria, crescerem lutando pela paz e que a nossa cidade viva uma nova consciência. Que a velha, pobre e sofrida Itabuna, boquirrota, reclamona, indiferente e iconoclasta seja uma cidade do passado.
Chegou o momento, “Minha Flor”, de os seus velhos conterrâneos entenderem e compreenderam que em uma cidade que não fomenta a cultura, não preserva as suas manifestações culturais está na vanguarda do atraso. No município, a ausência de museus, bibliotecas, espaços e arquivos públicos mostra o estágio em que se encontra a falta de valorização da memória coletiva e do patrimônio histórico. Ao ignorar e até destruir, vandalizar monumentos e placas que narram a nossa história, o itabunense demonstra sua indiferença às coisas do espírito.
Mas é preciso dá um basta nesta situação! Historicamente, “Minha Abelhinha”, o itabunense vem, há décadas, dando uma demonstração que coletivamente vive uma forma diferente de amar esta terra. É como se sentisse um sentimento inverso, de desprezo, falta de zelo. Parece que renega a sua história, tem vergonha do seu passado, e dissesse – da boca pra fora – que ama e que cuida, mas, na prática, despreza, odeia Itabuna!
E assim foi com o conterrâneo Firmino – um poeta na sua essência. Um cidadão que ofertou flores, rosas e recebeu escombros de uma cidade que está – literalmente – caindo aos pedaços. Ironicamente, a casa em que o poeta morou e escreveu belíssimos poemas, muitos deles exaltado a sua cidade natal, na esperança de viver grandes “momentos” e anunciando “o canto do dia novo”, desmoronou; também caiu e com ela um pedaço da história de Itabuna!
Por Ederivaldo Benedito-Bené–Jornalista itabunense, graduado em História pela Uesc-Universidade Estadual de Santa Cruz e avô de Maria Flor Benedito Miranda.