Por Walmir Rosário
Em 1964 Itabuna era uma cidade de destaque estadual e até nacional, por conta da economia cacaueira e sua história, muitas delas contadas nos romances de escritor itabunense Jorge Amado, que ganharam o mundo. E nesse imaginário somavam-se as histórias e estórias dos coronéis do cacau e mil e um personagens, desde os trabalhadores rurais, os bichos da Mata Atlântica e as almas penadas que corriam a região.
As estórias contadas pelo povo corriam a cidade que nem rastilho de pólvora após acesso e incendiava de informação toda uma população, não ficando ninguém sem saber dos fatos contados, num boca a boca de fazer inveja às redes sociais da atualidade. Um desses ocorridos mudou o comportamento dos itabunenses, que passaram a dormir cedo, tudo por causa do medo de encontrar noite afora a Mulher de Sete Metros.
À época, pouquíssimos felizardos dispunham de um aparelho de TV na sala de estar, que ficavam praticamente desligados por falta de sinal para retransmitir os programas das redes Tupi, Record, Eldorado, TV Rio. O forte mesmo era o rádio, que nos fornecia diariamente música, esporte e notícia pelas potentes ondas curtas das emissoras de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.
Itabuna também não ficava atrás e já dispunha de três emissoras de rádio: a Rádio Clube de Itabuna (1956), Rádio Difusora Sul da Bahia (1960) e Rádio Jornal de Itabuna (1963). E as três rádios disputavam fortemente a audiência regional, realizando transmissões externas em praças, com a apresentação de artistas locais e do sudeste do país, programas de auditório, esportes, policiais com humor e os caipiras.
Um desses apresentadores era Pedro Lemos, imbatível na audiência do horário da 5 às 7 horas, com um programa recheado de recados para as fazendas, os bairros, música caipira (raiz) e estórias dos “tempos do ronca” que ele jurava serem verdadeiras. Seu prestígio na comunidade itabunense daquela época era tanto que foi eleito um dos vereadores mais votados da história política do município.
Homem de hábitos simples, lá pelas quatro e pouca da manhã Pedro Lemos saia de casa e a poucos metros se encontrava com o sonoplasta Carlos Lima e se dirigiam à Rádio Clube de Itabuna, localizada na avenida do Cinquentenário, no segundo andar do prédio nº 424. Com a rádio no ar, Pedro Lemos, baixinho e gordinho, se transformava em um gigante da comunicação radiofônica itabunense. Não tinha pra ninguém.
Entre uma música, um recado, uma pilhéria com um amigo, Pedro Lemos contava uma história, desde a simples trivialidade que tinha visto no dia de ontem às estórias de meter medo a qualquer cidadão temente a Deus e às assombrações. E a da Mulher de Sete Metros, que rondava Itabuna de norte a sul e leste a oeste aterrorizava a qualquer vivente. Parecia até aquelas novelas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Pois bem, a cada madrugada era um relato diferente, ora a assombração teria aparecido lá pras bandas dos Canecos, ora no bairro São Caetano, escorraçando quem se aventurava a andar pela madrugada adentro. Pelo que contava, a Mulher de Sete metros se apresentava vestida com um camisolão branco e se postava no meio da rua ou da estrada, apavorando quem resolvesse atravessar em sua frente.
Em Ferradas a situação foi constrangedora, pois um vaqueiro que prometia enfrentar e desmoralizar a mulher de sete metros teve que ser internado num hospício após encontrá-la no meio da rodovia. Dessa data em diante ele perdeu o juízo e a mula que montava saiu em disparada e somente foi encontrada depois de mais de 40 quilômetros, depois de Ibicaraí.
Pelo que contavam os que resolveram se arriscar, a Mulher de Sete Metros carregava uma mala de couro enorme, tinha uma cruz pendurada no pescoço e uma dentadura de meter medo a qualquer vivente. De longe, com uma voz gutural, perguntava qual o rumo a tomar para chegar ao cemitério. Daí em diante, ninguém ouvia mais nada, por ficar paralisado ou sair disparado na carreira.
A cada nova notícia da Mulher de Sete Metros Itabuna caia em polvorosa e a assombração se transformou no assunto da cidade. Ruim mesmo ficou a situação dos que precisavam sair de casa de madrugada para trabalhar, como os carroceiros, padeiros, feirantes, açougueiros e até os soldados do Tiro de Guerra. Enquanto uns incrédulos diziam que tudo não passava de crendices, o assunto chegou ao delegado e ao chefe de polícia, cobrados para que prendessem a assombração.
Uns seis meses depois de aterrorizar mais da metade da população de Itabuna, reunidos no Bar de Biribinha, na cabeceira da ponte do bairro da Conceição, Pedro Lemos foi questionado enquanto tomava umas cervejas com seu amigo inseparável Valdomiro Sapinho, acerca da veracidade das estórias. Sem pestanejar, Pedro disse conhecer todos os que viram a Mulher de Sete Metros e só não dava conhecimento dos nomes para não desmoralizar os coitados.
No meio do disse me disse, Pedro Lemos passou a acalmar as pessoas, dizendo que não mais precisariam se preocupar com a Mulher de Sete Metros, pois ele soube por uma pessoa de sua confiança que ela teria sido escorraçada de Itabuna. Pelo que contaram a ele e ao amigo Valdomiro Sapinho, o autor de tal façanha teria sido um tropeiro que saiu de casa numa sexta-feira noite de lua cheia e teria se transformado num lobisomem.
Com todos mais tranquilos, Pedro Lemos e Valdomiro Sapinho pediram mais uma cerveja.