Governo e empresas precisam formular estratégias que possam ir além da dinâmica do comércio
Uma observação de diplomatas chineses tem sido recorrente em conversas com representantes brasileiros: “Vocês não vendem para a China, nós é que compramos de vocês.” É uma visão realista, consideradas as oportunidades perdidas nos últimos 26 anos nas relações bilaterais. O Brasil, vale recordar, foi o primeiro país com quem a China estabeleceu uma parceria definida como estratégica. Foi em 1993, antes de Rússia, Europa, EUA, México, Argentina e Chile.Brasil e China se reconheceram mutuamente necessários e consolidaram relações comerciais densas nas últimas três décadas. Em 2018, foi o terceiro maior parceiro comercial da China, atrás dos Estados Unidos e da Alemanha, excluindo-se os países da zona de influência chinesa no Leste Asiático e Oceania. Como constatou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em estudo recém-concluído, “nosso volume de comércio representou apenas 17% do americano e 60% do alemão, mas, pelas estatísticas chinesas, foi mais de 70% maior do que com a França e o Canadá e 38% maior do que o com o Reino Unido.”O comércio evoluiu de forma extraordinária. Passou de US$ 36,5 bilhões em 2008 para US$ 100 bilhões no ano passado, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China. O Brasil fornece 73% da soja, 70% das aves e quase 30% da carne importadas pelos chineses. Desde 2017 tem-se um novo ciclo: o país se tornou o quarto destino dos investimentos diretos chineses, recebendo mais de 40% da América do Sul — dois terços em energia. Resultado excelente para uma relação até há pouco inexistente.É limitado, no entanto, dado o potencial para se avançar em vínculos mais consistentes com uma potência em renascimento, sofisticada em desenvolvimento tecnológico, cujo Produto Interno Bruto precisa ser partilhado entre 1,4 bilhão de pessoas, das quais duas centenas de milhões — o equivalente à população brasileira — ainda vivem abaixo da linha de pobreza.Agora, evidenciam-se fragilidades. O jogo eleitoral de Donald Trump, por exemplo, tende a impor perdas ao Brasil no comércio com os chineses. Estima-se redução de 10% nas vendas de alimentos.Tem-se aí uma oportunidade para governo e empresas, apoiados pelo Congresso, unirem esforços numa inédita formulação estratégica sobre aquilo que o Brasil, realmente, quer e pode propor à China, muito além da atual dinâmica do comércio.A chance é óbvia. Depende de competência política, habilidade diplomática e audácia empreendedora.