Duas primas da cantora Gal Costa acionaram a Justiça para provar que a artista foi pressionada a anular um testamento que destina todo seu patrimônio a uma fundação cultural de preservação da memória da artista. Uma das maiores vozes da música brasileira, Gal morreu em novembro de 2022. O documento inédito foi acessado pelo colunista Ronaldo Jacobina, do jornal Correio.
O documento de 27 de maio de 1997 foi invalidado pela própria Gal Costa em 2019 – os parentes alegam que ela sofreu ‘coação moral’ para registrar em um Tabelionato de São Paulo a anulação.
O patrimônio de Gal é atualmente disputado pelo filho, Gabriel da Costa Penna Burgos, e pela empresária, Wilma Teodoro Petrillo. Ela argumenta que viveu em união estável com Gal, o que daria a Wilma o direito aos bens.
A briga pela herança da artista, avaliada em R$ 20 milhões, ganhou mais um capítulo no dia 14 de março deste ano, quando Verônica Pedreira de Freitas Silva e Priscila Silva de Magalhães, primas da artista, protocolaram na Justiça um processo na intenção de invalidar a anulação do testamento, que possui versões digitalizada e a próprio punho.
O documento de anulação, apesar de ter a assinatura de Gal, segundo elas, não conteria a sua real vontade. A defesa das duas argumenta que houve manipulação por parte de Wilma para que o testamento fosse anulado.
No testamento, Gal destina todo o seu patrimônio à criação da Fundação Gal Costa de Incentivo à Música e Cultura. As responsáveis pelo feito, designadas pela cantora, seriam as primas Verônica e Priscila, além das também primas Marina Penna Pedreira de Freitas (já falecida), Maria Lúcia Pedreira de Freitas e Maria Laura Pedreira de Freitas Silva. Elas seriam as responsáveis pela gestão do patrimônio, que deveria ter como finalidade, de acordo com o testamento, a criação e gestão de uma fundação sem fins lucrativos.
A instituição teria como principal objetivo a formação de músicos e outros artistas, assim como promover festivais e concursos. A ideia seria atender à população mais carente, doando bolsas de estudo, instrumentos e proporcionando cursos. Só cobraria mensalidade ou anuidade para quem tivesse condições financeiras. Uma exigência feita por Gal era que a Fundação fosse criada na Bahia. Como quinta testemunha do registro do documento, está Wilma, cuja assinatura consta no testamento em questão.
O testamento, feito em 1997, foi encontrado após a morte de Gal nos pertences da família. Verônica e Priscila dizem não terem tido conhecimento prévio do conteúdo, que estava em um envelope lacrado com uma etiqueta que continha o nome “Gal Costa”. Diante da descoberta, as duas contam que resolveram “fazer valer o desejo da prima”.
Ao encontrarem o documento no envelope lacrado, Verônica e Priscila procuraram os advogados Sergio Nunes e Diego Ribeiro, do escritório Kruschewsky & Nunes Ribeiro, na capital baiana.
A defesa das duas explica que, para alcançar a anulação da revogação do testamento, vai basear-se em testemunhas e “nos elementos de provas existentes no inventário e no contexto de denúncias divulgadas pelo filho Gabriel que sinalizavam a coação irresistível sofrida pela cantora”.
Consultado pelo jornal, o advogado Tauan Almeida, especialista em Direito Sucessório, explica o cenário: “A prova de que o testamento foi revogado mediante coação pode resultar na sua anulação. A coação ocorre quando a pessoa que deixa o testamento é obrigada a assinar a revogação estando sob ameaça, seja física, moral, emocional ou psicológica. Neste caso, será necessário provar que, ao assinar a revogação, Gal agiu motivada por uma coação moral tão irresistível que naquele momento deixou de lado sua real vontade e fez o que era, na verdade, a vontade de outra pessoa.”
Para a ação movida pelas primas, os advogados das duas argumentam que há “fortes elementos e indícios de que Gal Costa sofreu coação moral irresistível, contra si, contra sua família e contra seu patrimônio” e ainda que “Gal se encontrava, em 2019, em estado de vulnerabilidade psicológica, econômica e social”.
A ação anulatória ajuizada por Verônica e Priscila deve atravancar ainda mais o andamento do inventário. No último dia 15, a juíza Luciana Novakoski Ferreira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que a ação deve tramitar em conjunto com o inventário.
Até o momento, Wilma é a inventariante (administradora temporária do patrimônio até que o inventário seja concluído), já que Gabriel tinha 17 anos quando a mãe morreu. Nos registros do Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, constou no dia 25 de março uma ação que pedia a remoção da inventariante.
A defesa de Gabriel, procurada pela reportagem, preferiu não comentar sobre o pedido de remoção. A advogada, Luci Vieira Nunes, ainda disse não ter conhecimento sobre a ação movida pelas primas de Gal e nem sobre um testamento da artista em favor do filho. Alegou, no entanto, que a cantora teria revogado o testamento de 1997, feito antes da adoção, para deixar o patrimônio para Gabriel. Luci é uma das testemunhas nomeadas por Gal que assinam o testamento.
Wilma Petrillo foi procurada e os questionamentos foram respondidos por sua advogada, Vanessa Bispo. Sobre o documento de 1997 que prevê a criação da Fundação, ela disse que “juridicamente, esse testamento não existe”. Sobre as acusações feitas a Wilma, disse que “a coação é algo que não basta ser alegado, tem que ser provado”. Sobre as questões na Justiça com Gabriel, a advogada alegou que a união estável entre Gal e Wilma “já foi reconhecida nos autos do processo do inventário” e disse que não comentaria sobre o pedido de exumação do corpo da cantora, já que Wilma não é citada neste processo. Sobre o pedido de remoção da inventariante, disse que foi feito por Gabriel, mas que não foi acatado na Justiça e que “não há motivo nenhum para Wilma ser removida”. Por fim, acrescentou que sua cliente está “bastante abalada com tudo isso”.
A reportagem também procurou Guto Burgos (irmão e ex-empresário de Gal), que respondeu que não se manifestaria sobre o assunto.