Coluna cria seção inspirada na fábrica de cobranças e ultimatos montada pelos superjuízes
Opresidente Jair Bolsonaro é o alvo preferencial da fábrica de cobranças, admoestações e ultimatos em funcionamento no Supremo Tribunal Federal. Nada escapa: o chefe do Executivo é instado de meia em meia hora a explicar coisas com as quais nada tem a ver. Por que o governo federal não socorreu o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira antes mesmo que resolvessem navegar pelos cafundós da Amazônia? A reunião de Bolsonaro com embaixadores é parte do “discurso de ódio” destinado a colocar em perigo o sistema eleitoral mais perfeito do planeta? O presidente da República tem como provar que não foi o mandante do assassinato do tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu? O Grande Satã do STF encabeça a lista dos que, caso se sentarem no meio-fio para saborearem um palito de limão, despertarão suspeitas de que disfarçam outra conspiração contra o Estado Democrático de Direito e mais um complô contra Lula. É compreensível que os ministros não tenham tempo para desfazer interrogações que os envolvam.
Para preencher tal lacuna, esta coluna acaba de parir a seção “De Olho no Supremo”. Foi concebida para esclarecer dúvidas que, ignoradas pela corte, podem arranhar a imagem do Pretório Excelso. Já nesta semana foram encaminhadas aos destinatários as primeiras questões, que devem ser respondidas num prazo não tão curto que pareça perseguição nem tão extenso que pareça pilhéria. Confira as primeiras providências da turma que vigia o Timão da Toga.
Atendido pelo juiz Alexandre de Moraes, o relator Alexandre de Moraes enfim revelou a grande descoberta feita pelo investigador Alexandre de Moraes
- No prazo de 90 minutos, o ministro Luiz Fux deve esclarecer se o topete que lhe enfeita a testa é fake ou verdadeiro. O inquirido será convidado a revelar também o que usa para perpetuar na cabeleira a bonita tonalidade negro-graúna.
- No prazo de duas horas, a ministra Rosa Weber deverá pedir de volta ao presenteado o exemplar da Constituição que ofertou a Jair Bolsonaro em 2018, e folhear todo dia ao menos uma página da obra que nunca leu — ou leu, mas não entendeu. A inobservância desta exigência obrigará a autora da desobediência a escrever 15 vezes no seu diário a inscrição: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido por representantes eleitos, não por quem virou juiz do Supremo pela vontade de um presidente da República com medo de cadeia”.
- A contar deste julho de 2022, o ministro Dias Toffoli terá 20 anos para ser aprovado num concurso de ingresso na magistratura de qualquer Estado brasileiro ou de alguma província paraguaia. Caso sejam reprisados os dois fiascos que protagonizou ao tentar virar juiz em São Paulo, Sua Excelência será aposentado por notória ignorância jurídica (continuando a receber integralmente os vencimentos a que tem direito, além de porções semanais de lagosta de fina linhagem). Até que seja indicado o substituto oficial, o gabinete vago será ocupado por algum capinha que saiba dizer “Egrégio Plenário” em Latim.
- No prazo de 24 horas, prorrogáveis por mais 24, a ministra Carmen Lúcia deve esclarecer se a frase “Cala a boca já morreu!”, que declamou numa sessão do STF que debatia a liberdade de expressão, vale ou não para a censura prévia decretada pelo colega Alexandre de Moraes. O impetuoso magistrado vetou a publicação de notícias dando conta dos laços que unem o PT ao PCC. Nessa mesma investigação, Moraes será instado a explicar se, com a decisão, pretendeu impedir que Lula perca votos ou que os rapazes do PCC tenham a imagem prejudicada por se associarem ao partido que virou quadrilha.
- O ministro Gilmar Mendes precisa explicar em 72 horas se é um ministro do STF que, quando tem tempo, organiza seminários muito lucrativos em Portugal ou se é um empresário do setor de eventos que, quando sobra algum tempo, aparece em Brasília para soltar alguns réus de estimação e insultar juízes que condenam meliantes.
- Depois das próximas quatro viagens entre Brasília e São Paulo, o ministro Ricardo Lewandowski terá um dia e meio para revelar se ocupa invariavelmente a poltrona 1A do avião porque não quer desviar a atenção dos pilotos com a ovação que explodiria ao ser reconhecido pelos demais passageiros ou porque aproveita as centenas de horas na primeira janelinha para aperfeiçoar-se no ofício de fiscal de nuvens.
- O ministro Luiz Roberto Barroso terá de retirar da internet, em 48 horas, um vasto acervo de vídeos enquadrados na categoria fake news hediondas. No primeiro dia, removerá o acervo e discurseiras segundo as quais o estuprador João de Deus é um homem admirável “por tirar o melhor de nós”. Nas 24 horas seguintes, tratará de eliminar sons e imagens em que celebra a inocência do assassino italiano Cesare Battisti. Foi Alexandre de Moraes quem decidiu que propagadores de mentiras podem ser presos em flagrante enquanto os vídeos estiverem na internet.
- O ministro Edson Fachin terá de escolher entre duas opções: ou permite que a Polícia combata as organizações criminosas que controlam os morros do Rio ou entrega à bandidagem a posse dos redutos do narcotráfico — e desarma os homens da lei.
O comunicado do De Olho no Supremo destinado a Alexandre de Moraes estava quase pronto quando o xerife Alexandre de Moraes pediu que o prazo para o encerramento do inquérito das fake news fosse prorrogado por mais três meses. Atendido pelo juiz Alexandre de Moraes, o relator Alexandre de Moraes enfim revelou a grande descoberta feita pelo investigador Alexandre de Moraes. A tradução exata da expressão “fake news” não é “notícia falsa”. É “notícia fraudulenta”. Corri ao dicionário para conferir a proeza. Descobri que falsa e fraudulenta são palavras sinônimas.
Em três anos, Moraes torturou a Constituição, reduziu os códigos legais a farrapos, ressuscitou as figuras do preso por crime de opinião e do exilado político. Os réus não sabem do que são acusados. Nem Moraes sabe o que fazer para acusá-los de alguma coisa. Quem não sabe reconhecer sinônimos não enxerga um palmo adiante do nariz. Só vê o próprio umbigo.
*AUGUSTO NUNES Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi redator-chefe da revista Veja e diretor de redação do Jornal do Brasil, do Estado de S. Paulo, do Zero Hora e da revista Época. Atualmente, é comentarista do Jornal da Manhã e do programa Os Pingos nos Is, ambos da Rádio Jovem Pan. Também é colunista do R7 e comentarista do Jornal da Record. Apresentou durante oito anos o programa Roda Viva, da TV Cultura, e foi um dos seis jornalistas entrevistados no livro Eles Mudaram a Imprensa, organizado pela Fundação Getulio Vargas. Entre outros, escreveu os livros Minha Razão de Viver — Memórias de Samuel Wainer e A Esperança Estilhaçada — Crônica da Crise que Abalou o PT.