Tempos atuais trouxeram desafios em proporções e velocidade até há pouco impensáveis
Sempre houve boatos e mentiras gerando desinformação na sociedade. É um fenômeno conhecido e, ao longo do tempo, foram desenvolvidas estratégias, em diversos âmbitos e com alcances distintos, para combatê-lo. Por exemplo, um princípio que norteia todo o tema relativo à qualidade da informação refere-se à liberdade de expressão e de imprensa. A livre circulação de ideias e informações é um eficaz antídoto contra a desinformação.O fenômeno é antigo, mas os tempos atuais trouxeram desafios em proporções e numa velocidade até há pouco impensáveis. A questão não é apenas a incrível capacidade de compartilhamento instantâneo, dada pelas redes sociais e os aplicativos de mensagem, o que é positivo, mas traz evidentes riscos. Muitas vezes, uma informação é compartilhada milhares de vezes antes mesmo de haver tempo hábil para a checagem de sua veracidade. O desafio é também oriundo do avanço tecnológico das ferramentas de edição de vídeo, áudio e imagem. Cada vez mais sofisticadas e, ao mesmo tempo, mais baratas e acessíveis, elas são capazes de falsificar a realidade de forma muito convincente.Para debater esse atual cenário, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) promoveu em São Paulo o seminário Desinformação: Antídotos e Tendências. Na abertura do evento, Marcelo Rech, presidente da ANJ, lembrou que o vírus da desinformação não é difundido apenas por grupos ou indivíduos extremistas. Também alguns governos têm se utilizado dessa arma para desautorizar coberturas inconvenientes. Tenta-se fazer com que apenas a informação oficial circule.O diretor da organização Witness, Sam Gregory, falou sobre as deepfakes e outras tecnologias que se valem da inteligência artificial (IA) para criar vídeos, imagens e áudios falsos. Houve um grande avanço tecnológico na área, o que afeta diretamente a confiabilidade das informações na esfera pública. O vídeo de um político fazendo determinada declaração pode ser inteiramente falso. Parece não haver limites para as manipulações.Diante desse cenário, que alguém poderia qualificar como o “fim da verdade”, Sam Gregory desestimulou qualquer reação de pânico ou desespero, que seria precisamente o que os difusores da desinformação almejam. Para Gregory, o caminho é melhorar a preparação das pessoas e das instituições, ampliando a “alfabetização midiática” – prover formação para que cada pessoa fique menos vulnerável às manipulações –, aperfeiçoando as ferramentas de detecção de falsidades e aumentando a responsabilidade das plataformas que disponibilizam esses conteúdos.O segundo painel abordou a desinformação nas eleições. Angela Pimenta, diretora de operações do Projor, comentou que a atual desinformação é muito mais ampla do que a simples informação falsa. Trata-se de um cenário de poluição informacional em escala global, que distorce o debate público e fragiliza a percepção sobre a verdade factual. Além da manipulação de conteúdo, a desinformação é difundida por meio de mensagens com conexões ou contextos falsos.Ana Cristina Rosa, assessora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tratou das campanhas massivas de desinformação contra o sistema eleitoral nas eleições passadas. A novidade de 2018 foi que as mentiras não se dirigiram apenas contra os adversários políticos. Houve larga produção de conteúdo contra o próprio TSE, obrigando a Justiça Eleitoral a montar uma operação específica para esclarecer as falsidades difundidas; por exemplo, sobre uma suposta sala secreta do TSE na qual se alteravam os dados coletados nas urnas eletrônicas.Também foram apresentadas no seminário várias iniciativas de checagem de informações, como o Projeto Comprova, do qual participa o Estado. Há um consenso de que o atual cenário, mesmo com todos os desafios, tem aspectos muito positivos. Por exemplo, todos os princípios norteadores do jornalismo, como o de independência e o de rigor na apuração, têm sua importância reafirmada. O caminho para combater a desinformação continua sendo o mesmo: a informação de qualidade.