EDITORIAL ESTADÃO – Disciplina fiscal, federação real

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Estados e municípios vivem alardeando direitos e autonomia, mas poucos têm sido capazes de cuidar de suas finanças e de viver sem o socorro do poder central

Mais de um terço dos tributos pagos no Brasil vai para os cofres de Estados e municípios, além das transferências bancadas pela União, mas, ainda assim, muitos governos estaduais e municipais estão em apuros, endividados e alguns, perto de quebrar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem anunciado com insistência um novo pacto federativo, num discurso pontuado pelo bordão “mais Brasil, menos Brasília”. Mas a palavra federação, neste país, é quase uma figura de linguagem: autoridades subnacionais vivem alardeando direitos e autonomia, mas poucas têm sido capazes de cuidar de suas finanças e de viver sem o socorro do poder central. Antes de cuidar de um novo pacto, será bom levar a sério os feios dados da realidade, começando, por exemplo, pelo relatório técnico recém-concluído por uma equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Técnicos do Fundo estiveram no Brasil por solicitação do governo, entre 29 de abril e 13 de maio, para examinar e avaliar as finanças de Estados e municípios e propor políticas de ajuste e padrões de disciplina e segurança. Disciplinados por alguns anos, depois de negociar suas dívidas com o Tesouro Nacional, nos anos 1990, governos estaduais e municipais acabaram caindo de novo na farra financeira, com as bênçãos do poder federal.Esta recaída ocorreu a partir do período petista, quando o governo da União passou a facilitar o endividamento dos entes subnacionais. A dívida dos entes subnacionais caiu 0,8 ponto porcentual ao ano entre 2002 e 2014 e subiu de novo, ao ritmo de 0,5 ponto ao ano, entre 2014 e 2018, mesmo depois de renegociações. Três Estados – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo – concentram dois terços da dívida estadual.Novas operações de socorro foram montadas, com exigência de retorno aos padrões estabelecidos a partir do ano 2000 pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas alguns governos têm descumprido, até com apoio judicial, as condições estabelecidas nos acordos.O relatório do FMI propõe mudança de regras para endividamento de Estados e municípios, com garantias do governo central apenas em casos excepcionais. Também se menciona uma alternativa radical: a mera eliminação dessas garantias. O documento propõe menor participação de bancos públicos na concessão de financiamentos a entes subnacionais, com maior recurso a empréstimos privados, fornecidos por bancos ou por outras fontes do mercado de capitais.Reduzir as garantias federais e a participação de bancos públicos conteria, segundo o relatório, “incentivos ao desperdício, diminuiria riscos para o governo federal e eliminaria parte das tensões institucionais entre diferentes níveis do governo e Judiciário”.A adesão aos padrões de mercado estimularia, de acordo com o Fundo, maior disciplina financeira pelos governos subnacionais. A ideia é clara: governos de Estados e municípios teriam de seguir os padrões de prudência observados, normalmente, na administração de empresas e de outras entidades dependentes do uso de recursos privados.O relatório sugere passos para a implantação dos novos padrões de disciplina financeira. O plano de ajuste vinculado ao Regime de Recuperação Fiscal instituído em 2017 deveria ter como um dos objetivos a redução da dívida a níveis prudenciais, com a fixação de etapas e a ajuda subordinada ao desempenho em cada fase. Também se sugere “maior clareza” quanto ao tratamento de todos os credores, isto é, do governo central e dos demais.As propostas incluem a fixação de um teto de gastos e o uso de conselhos de controle e de monitoramento, talvez com ampliação do mandato da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado.A reforma da Previdência nos Estados e municípios é um dos passos indispensáveis, indica o relatório, realçando uma evidência rejeitada ou tardiamente absorvida por muitos políticos. Não haverá como fugir disso, especialmente se a ajuda federal for proibida. Sem esse tipo de socorro, a gestão das finanças estaduais e municipais seria muito melhor há muito tempo. E a federação seria muito mais autêntica.

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