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No país das maravilhas

por Ornan Serapião
4 minutos para ler

Percival Puggina

Existem feitos e ditos que me fazem lembrar o País das Maravilhas concebido pelo gênio de Lewis Caroll. Em certo momento de entrevista concedida à agência O Globo, no dia 4 de outubro, o presidente do TSE e ministro do STF Roberto Barroso me pareceu haver entrado pela toca do coelho.

Para nós, TSE, o ano não foi propriamente conturbado na medida em que nós continuamos nosso trabalho de prover eleições seguras, de dar as respostas adequadas para a população. De modo que eu, pessoalmente, jamais perdi a tranquilidade, mesmo diante de ataques. A gente trabalha com o bem e com a verdade e, portanto, sem medos. Além disso, eu tenho muita confiança nas instituições brasileiras. A Constituição vai completar 33 anos esta semana e ela tem sido uma bússola importante e, apesar de estarmos vivendo um momento difícil, nós estamos há três décadas em estabilidade institucional. O filme da democracia brasileira é um filme bom, apesar de uma ou outra foto fora de foco.”

Eu consigo, num esforço de angulação, entender que o ministro tenha essa perspectiva da realidade que descreve. Não é a diferença que me preocupa, mas o poder institucional de que dispõe como um dos “supremos” e como presidente do TSE.

Examinemos, a declaração acima. O ministro diz que o TSE continuou seu “trabalho de prover eleições seguras, dando respostas adequadas à população”. O fato de que parcela significativa, numerosa, da sociedade não considere adequadas essas respostas é desconsiderado com a certeza de Sua Excelência de que “a gente trabalha com o bem e com a verdade e, portanto, sem medos”. Pronto! Fica fechado o circuito protetor de suas decisões. O bem e a verdade moram ali dentro, são vizinhos de convivência diária, e toda opinião divergente se converte em erro grave, quando não maldade, ou mentira, recebendo a designação genérica de “fake news”.

Na sequência, diz que “a gente tem confiança nas instituições brasileiras”. Contudo, em sua posse como presidente do Supremo, o ministro Fux reconheceu que a judicialização da política “tem exposto o STF a um protagonismo deletério que prejudica a imagem de todo o Poder Judiciário” (aqui). Essa afirmação é corroborada por pesquisa do Datafolha de 12/07 segundo a qual apenas 24% dos entrevistados aprovam a atuação dos ministros do STF (infelizmente não há pesquisa sobre o TSE). Afirmar, numa situação oposta ao sentir nacional, que as instituições têm confiança em si mesmas é outra afirmação em circuito fechado, sem correspondência com o mundo fora da toca do coelho.

O ministro, a seguir, reitera afirmação, mostrando-se convencido de que “apesar de estarmos vivendo um momento difícil, nós estamos, há três décadas, em estabilidade institucional”. Presumo que as crises não cheguem lá. Custo a entender que se tome como estabilidade institucional nesses trinta anos os dois impeachments do período, a preservação dos mandatos dependendo da compra de votos no parlamento, os escândalos, a corrupção sistêmica e a insegurança jurídica.

Qualquer problema queixe-se ao coelho.

Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Matéria publicada no DP em 09.10.2021

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