Especialistas em cyberbullying e transtornos mentais comentam morte de Alinne Araújo, blogueira conhecida por improvisar um casamento solo
R7Nayara Fernandes, do R7
Após ser abandonada na véspera do casamento, Alinne improvisou uma cerimônia solo/Reprodução
A morte da influenciadora Alinne Araújo, de 24 anos, reacendeu o debate sobre o impacto do cyberbullying nas redes sociais. Abandonada pelo noivo na véspera da cerimônia, a blogueira, que já sofria de depressão, tentou dar a volta por cima com um casamento solo. Sua atitude, no entanto, foi severamente criticada por vários seguidores, que a acusaram de mentir para se promover.Na tarde de segunda (15), Alinne se matou. Os comentários ofensivos foram apagados e deram lugar a mensagens de solidariedade. Em seu perfil no Instagram, famosos lamentaram a tragédia e reagiram com indignação aos ataques sofridos pela moça. “Uma pessoa que tem depressão severa e decidiu fazer o que ela fez [casar sozinha] foi lindo”, escreveu a blogueira Alexandra Gurgel, “Esses comentários mataram ela. O nível de crueldade foi sem medida. Foi tão grande que causaram a morte dela”. Já o apresentador Luiz Bacci aconselhou os haters de plantão “Se não tem o que acrescentar: se cale. Tadinha da moça. Não merecia isso. ”
Bacci lamenta morte de blogueira/ReproduçãoSegundo um levantamento realizado pelo Instituto Ipsos, o Brasil é o segundo país que mais pratica cyberbullying no mundo, dado que pode ser lido como um sintoma de como anda a saúde emocional do brasileiro: “Quanto mais baixa a autoestima da vítima for, mais graves serão as consequências causadas pelas agressões online”, explica a psicóloga clínica Marilene Kehdi.A luta contra os transtornos mentaisDe acordo com a terapeuta Nathalia Evanger Léria, os ataques virtuais podem ter sido um gatilho para a crise da influenciadora, mas não são determinantes: “Os processos emocionais e psicológicos pelos quais alguém com depressão e ansiedade passam são muito complexos”Alinne não escondia sua luta contra a ansiedade e a depressão, e chegou a compartilhar na web os episódios de tentativa de suicídio. Três meses antes de sua morte, ela desabafou sobre mais uma crise: “Desde sexta, quando fui fazer a prova do meu vestido de noiva, me sentia sem amigos. Fui me afundando, até que chegou na segunda e decidi que não queria mais viver. Tomei todos os meus remédios e fui socorrida rápido”. Durante o relato, Alinne ainda aconselhou os seguidores: “Tomem muito cuidado com o que vocês falam e prestem atenção aos sinais que as pessoas dão. Faz diferença”Os bastidores da famaAos olhos de mais de 300 mil seguidores, Alinne Araújo era considerada uma pessoa pública. Mas, segundo Marco Bolido, advogado especialista em crimes digitais, isso não significa que seu perfil fosse território livre para ofensas: “Ela estava sujeita ao ônus e o bônus da posição que assumiu, mas não significa as pessoas que fizeram os comentários pudessem prejudicar a imagem dela”, alerta Marco.Almejado por muitos, o status de celebridade na web pode ter contribuído para sensibilizar a blogueira. Segundo Nathalia Léria,“ para uma pessoa que está passando por transtornos emocionais, esse contato com um público tão grande pode ser prejudicial pois a exposição aos mais variados tipos de opiniões pode intensificar os gatilhos das doenças psicológicas”. Além disso, a fama de Alinne e o anonimato dos agressores também faziam com que ela ficasse mais exposta: “Os haters geralmente escolhem suas vítimas por diversos motivos com o intuito de usá-las com objeto para demonstrar superioriadade e controle. E enxergam na sua vítima o escape para todas essas emoções mal direcionadas”.Haters na mira da Justiça“As redes sociais, por sua própria natureza, se transformam em um grande tribunal, no qual as condutas são validadas ou condenadas por um like”, explica Felipe Barreto Veiga, sócio do BVA Advogados e reconhecido como um dos principais advogados do país na área de internet. Segundo o advogado e seu colega Marco Bolido, responsável pela área de crimes digitais da BVA, os comentários publicados na rede social de Alinne devem ser analisados de maneira isolada para discutir se há ou não responsabilidade penal: “É um caso paradigmático pois chegou a uma situação extrema. Se existiu um comentário que deu a entender que ela deveria atentar contra a própria vida, a situação fica mais grave. Pelo artigo 122 do Código Penal, seria induzir o outro ao suicídio. Nessa situação, os pais da vítima poderiam instaurar um inquérito”, detalha Marco Bolido.Aos que já sofreram com ataques semelhantes, os advogados aconselham recolher o máximo de provas possível e tentar restringir o acesso dos agressores: “Para qualquer pessoa que esteja no ambiente eletrônico, o mais importante é diminuir os impactos disso através da própria plataforma. Excluir, bloquear, utilizar a plataforma a seu favor. Se, ainda assim for complicado diminuir o impacto das agressões, resta procurar um profissional especializado para direcionar se haveria uma questão criminal”, explica Felipe Barreto.Para os especialistas, o importante é não deixar que os haters fiquem impunes:“Hoje vivemos um cenário de um hiato legislativo que tem sido prejudicial para a saúde da sociedade como um todo. Essas situações geram um mal muito grande na vida das pessoas e existe uma sensação de liberdade e impunidade para esse tipo de conduta. É aconselhado que todos que se sintam ofendidos procurem as autoridades. ”