A atriz e autora parte do episódio de violência vivido pela influenciadora Pamella Holanda, agredida pelo marido, o DJ Ivis, para propor uma reflexão sobre a condição feminina em uma relação, dentro dos padrões mais tradicionais e enraizados em uma sociedade patriarcal. “Lembro de viver um namoro longo, nos idos dos meus vinte anos e acreditar que estávamos construindo essa vida, a vida da ‘princesa’. E olha, eu já lia feministas, já trabalhava, mas, mesmo assim, fui pega pela promessa de ser amada eternamente. Por isso, me emocionei com Pamella. Ela afirmou que a primeira vez em que ele levantou a mão, ela sentiu que o seu “sonho havia desmoronado”. Mas, que ela tentou…ela ficou…teve a filha, foi espancada e seguiu tentando, até quando entendeu, de maneira consciente, que a vida que o mundo havia prometido era falsa”, pontua
*Por Brunna Condini
A atriz e autora Suzana Pires, idealizadora e fundadora do Instituto Dona de Si, que empodera e alavanca talentos femininos, tem manifestado seu repúdio ao DJ Ivis desde que as agressões dele à ex-mulher, a influenciadora Pamella Holanda, se tornaram públicas. Em suas redes sociais, Suzana não tem deixado o assunto ‘amornar’, pedindo que a justiça seja feita, salientando a necessidade de não se ‘passar pano’ para o agressor. E ela reflete sobre as razões que levam uma mulher a permanecer em uma relação tóxica. “Acompanhei o caso com profundo interesse na expectativa da prisão daquele verme e celebrei quando ele foi levado algemado para o presídio. Mas, acompanhei também a esposa. Fui procurar informações sobre a vida dela, assisti entrevistas, vi o Instagram inteiro e me emocionei com as expectativas que ela tinha sobre a construção da sua vida”, revela Suzana.
“Pamella só queria viver um amor, ter seus filhos, administrar sua casa e ser feliz. Ela queria tudo o que uma mulher, ainda aprende que é o que se deve querer e, pior: aprende que é possível. A tal da ‘vida de princesa’. Uma vida em que uma mulher só se preocupa com o bem-estar dos seus, vive um amor sólido, com um ‘príncipe’ equilibrado, que trabalha, provem o sustento dela e da família e volta para casa cheio de amor e carinho para todos. Confesso, que já acreditei que essa vida era possível e que eu poderia construí-la, mas entendi (rápido e de maneira dolorida) que esse way of life é a maior opressão que uma sociedade pode fazer a uma mulher”, observa, em um ‘artigo manifesto’ exclusivo para o site HT.
Ela também destaca a importância da mulher conseguir se colocar como responsável pela própria felicidade, dona dos rumos da sua história e de si. “Os primeiros momentos da vida real são de muita dor para todas nós. Não foi só o soco, os tapas, foi a ilusão onde se embarcou que faz a dor da violência doméstica ser multiplicada por cem; afinal a ‘princesa’ tem sua mão beijada, seu rosto acarinhado, sem jamais imaginar que sofrerá um espancamento. É a surra na ‘vida de princesa’ que te prometeram desde que você nasceu, caríssima. Pamella precisará encarar a si mesma como mulher real e depois ter uma estratégia para se recuperar e refazer não só sua vida, mas suas expectativas”, salienta. “Num segundo momento, Pamella vai rever seus conceitos como mulher: o que acredita como amor, o que quer como relação e pode até definir permanecer um tempo grande sozinha; focada em si mesma, tirando de dentro do seu coração a vontade de construir um conto de fadas. É dolorido”.
Suzana nos atenta, que para além da necessidade de ‘quebra de silêncio’ e denúncia da violência, é fundamental entender que caminho é esse, que se repete através dos tempos, que faz com que tantas mulheres não reconheçam seu valor em uma relação. “Acredito que eu esteja escrevendo sobre isso por ter visto na história da Pamella a minha própria fragilidade como uma ‘dona de si’: o amor romântico, idealizado, sonhado. É importante você sempre olhar sua relação de fora, fazer avaliações racionais, se proteger da grande inimiga interna que temos e que nos acompanha há muitos séculos: a ‘princesinha’. Ame, se apaixone, goze, se envolva, mas se coloque em primeiro lugar. Sempre”.
Com a palavra, Suzana Pires:
“A VIDA DE PRINCESA
Caríssima, imagino que você tenha acompanhado o escândalo da semana passada envolvendo um DJ e sua violência contra a esposa, na frente da filha; tudo devidamente registrado e reproduzido nas redes sociais. Imagino também que você deve ter sofrido diversos ‘gatilhos’ após acompanhar aquelas imagens; afinal, qual a mulher que não sente em si mesma o soco que outra leva?! Pois bem, eu acompanhei o caso com profundo interesse na expectativa da prisão daquele verme e celebrei quando ele foi levado algemado para o presídio. Mas, acompanhei também a esposa. Fui procurar informações sobre a vida dela, assisti entrevistas, vi o Instagram inteiro e me emocionei com as expectativas que ela tinha sobre a construção da sua vida.
Pamella só queria viver um amor, ter seus filhos, administrar sua casa e ser feliz. Ela queria tudo o que uma mulher, ainda aprende que é o que se deve querer e, pior: aprende que é possível. A tal da ‘vida de princesa’. Uma vida em que uma mulher só se preocupa com o bem-estar dos seus, vive um amor sólido, com um ‘príncipe’ equilibrado, que trabalha, provem o sustento dela e da família e volta para casa cheio de amor e carinho para todos. Confesso, que já acreditei que essa vida era possível e que eu poderia construí-la, mas entendi (rápido e de maneira dolorida) que esse way of life é a maior opressão que uma sociedade pode fazer a uma mulher.
Lembro de viver um namoro longo, nos idos dos meus vinte anos e acreditar que estávamos construindo essa vida, a vida da ‘princesa’. E olha, eu já lia feministas, já trabalhava, mas, mesmo assim, fui pega pela promessa de ser amada eternamente. Por isso, me emocionei com Pamella. Ela afirmou que a primeira vez em que ele levantou a mão, ela sentiu que o seu “sonho havia desmoronado”. Mas, que ela tentou…ela ficou…teve a filha, foi espancada e seguiu tentando, até quando entendeu, de maneira consciente, que a vida que o mundo havia prometido era falsa.
O olhar dela durante a entrevista e, principalmente, quando afirmou que estava desiludida, cortou meu coração. Não por ela não ter vivido a ‘vida de princesa’, mas porque essa vida não existe! Eu queria abraçar a Pamella durante horas e dizer para ela: não foi culpa sua acreditar que seria possível. Você não está sozinha na dor da desilusão. Conte comigo para a sua nova vida. Porque sim, a partir de agora Pamella está na vida real, na vida possível, na vida em que ela é a responsável por sua felicidade.
Os primeiros momentos da vida real são de muita dor para todas nós. Não foi só o soco, os tapas, foi a ilusão onde se embarcou que faz a dor da violência doméstica ser multiplicada por cem; afinal a ‘princesa’ tem sua mão beijada, seu rosto acarinhado, sem jamais imaginar que sofrerá um espancamento. É a surra na ‘vida de princesa’ que te prometeram desde que você nasceu, caríssima. Pamella precisará encarar a si mesma como mulher real e depois ter uma estratégia para se recuperar e refazer não só sua vida, mas suas expectativas.
Num segundo momento, Pamella vai rever seus conceitos como mulher: o que acredita como amor, o que quer como relação e pode até definir permanecer um tempo grande sozinha; focada em si mesma, tirando de dentro do seu coração a vontade de construir um conto de fadas. É dolorido. Afinal, para mulheres brancas, esse é o ocaso da Sinhazinha. É ser obrigada a ir de encontro ao trabalho, ao estudo, as responsabilidades por si mesma. Pamella, venha, estamos te esperando aqui na vida real, onde não somos princesas, mas ‘rainhas’ da nossa própria vontade.
Não conheço a família da Pamella, mas para ela ter os desejos da princesa, imagino que seja uma família de classe média, tradicional, conservadora, de mulheres casadas, que imprimem o sonho. Nossas famílias são assim. Normal. Cabe a nós, mulheres desse tempo entender, de fato, que amar na vida real é muito mais legal, delicioso e intenso do que no sonho. E, a ilusão da ‘vida de princesa’ é tão perversa que, mesmo depois de construirmos nosso caminho, essa ainda será nossa fragilidade; por isso tantos casos de mulheres bem-sucedidas que sofrem abusos patrimoniais, por exemplo. E violência física; assim como todas as outras.
Acredito que eu esteja escrevendo sobre isso por ter visto na história da Pamella a minha própria fragilidade como uma ‘dona de si’: o amor romântico, idealizado, sonhado. Portanto, é responsabilidade minha te avisar, caríssima leitora, que é importante você sempre olhar sua relação de fora, fazer avaliações racionais, se proteger da grande inimiga interna que temos e que nos acompanha há muitos séculos: a ‘princesinha’.
Ame, se apaixone, goze, se envolva, mas se coloque em primeiro lugar. Sempre.
E, com relação ao DJ e a cada agressor de mulheres: que apodreçam na cadeia. Covardes!
Sororidade.
Suzana Pires”