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CPI e legalidade

por Ornan Serapião
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Ney Lopes
Ney Lopes*

Dois episódios movimentaram o Congresso Nacional.

Tudo começou pela ordem de prisão dada pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz, a um depoente, pelo crime de falso testemunho.

Na sequência dos trabalhos, o presidente da investigação denunciou o envolvimento de militares, como membros do “lado podre” das Forças Armadas, em falcatruas dentro do Governo.

A testemunha detida, Roberto Dias, foi libertado, após pagar fiança.

O Ministério da Defesa e os comandantes das Forças Armadas divulgaram nota, repudiando a declaração do senador Omar Aziz, considerada desrespeitosa, genérica, afastada dos fatos e que atinge as corporações militares, de forma vil e leviana, tratando-se de acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável.

Em relação a ordem de prisão da testemunha, o que aliás já vinha sendo objeto de ameaças repetidas da CPI, é preciso ficar claro que a legislação atribui à CPI poderes “próprios da autoridade judiciária”, não sendo todas as decisões que cerceiam liberdades ou direitos dos investigados que podem ser tomadas pela comissão.

O direito penal brasileiro não autoriza a prisão de uma testemunha, em razão de respostas dadas a questões, nas quais ela esteja sendo investigada. No caso específico, não se trata de testemunha, mas de investigado, já que presumivelmente o depoente teve participação objetiva no fato denunciado.

Note-se, que a detenção ordenada na CPI se vinculou a presunções de irregularidades na negociação de vacinas, nas quais a testemunha poderá vir a ser acusado.

Nessa hipótese, era assegurado o silencio, independente de habeas corpus (garantia constitucional).

A jurisprudência garante que os investigados possam até mentir, para não se incriminarem.

É o princípio “nemo tenetur se detegere” que garante ao cidadão não poder ser obrigado a prestar qualquer tipo de informação, ou fornecer, direta ou indiretamente, qualquer tipo de prova, que possa ensejar autoincriminação (artigo 5°, LXIII, da Constituição).

Acrescente-se, que a CPI ainda está em fase de colheita de provas.

Novos depoimentos poderão confirmar o que a testemunha declarar. Além disso, o falso testemunho é um tipo de crime, que permite a retratação, até a prolação da sentença final.

As referências do presidente da CPI às Forças Armadas foram genéricas. Admite-se, que não tenha havido a intenção do senador, em ofender as corporações militares.

Entretanto, essa prática de generalizações ofensivas, se repete na atualidade brasileira, sobretudo em relação a classe política, por exemplo.

São comuns os casos de espetacularização perante a opinião pública, pela via de acusações indiscriminadas contra parlamentares e políticos em geral, chamados de corruptos, sem as necessárias ressalvas, ou provas materiais, em nome da liberdade de pensamento.

É o caso de lembrar, que a proliferação de bactérias num hospital, não justifica destruí-lo.

Da mesma forma, possíveis imperfeições nas Forças Armadas e na política, não justificam agressões e ofensas, de forma indiscriminada, afetando a imagem e a credibilidade de pessoas e instituições.

Numa e noutra situação há notória lesão aos valores da justiça, que devem ser preservados numa democracia.

Nestes dois casos citados, a CPI é vítima de si própria, na medida em que, repetidamente, vem antecipando culpa e julgamentos informais, “antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”.

Acredita-se na boa fé da maioria dos membros da investigação e por isso nunca será demasia pautar os trabalhos pela absoluta legalidade, até para evitar alegações futuras de nulidades.

Aliás, o estilo de acusações agressivas e desnecessárias envolvem a participação do Palácio do Planalto.

Impõe-se uma trégua, para o país respirar e vencer a catástrofe da pandemia.

Para isso, será necessário que a CPI e o governo, com humildade, façam a “mea culpa”, enquanto é tempo.

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano (PARLATINO); ex-Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; procurador federal; professor de Direito Constitucional da UFRN – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

Este artigo foi publicado originariamente no DP em 06.07

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