Como sempre promete o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é preciso mais Brasil e menos Brasília. Pelo visto, há, em sua trupe palaciana, os que discordam dessa assertiva.
Walmir Rosário
O título desta crônica nos remete ao hediondo período da escravidão, em que pessoas eram condenadas ao degredo simplesmente por discordar do ponto de vista dos governantes daquela época. O Brasil e outros países vivenciaram esse crime contra a humanidade desde sua formação, mas como o costume do cachimbo deixa a boca torta, esse ato repulsivo continua entre nós até hoje. Mudou-se apenas a metodologia.
Caso mais recente entre nós grapiúnas foi o que aconteceu na Ceplac com a repulsiva decisão do diretor-geral da Ceplac, Waldeck Pinto de Araújo Junior, ao exonerar o cientista Raul Valle do cargo de diretor do Centro de Pesquisas do Cacau da Comissão Executiva Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Ainda por cima comunicou a decisão via telefone, atitude estranha aos princípios da administração pública. Um simples ato de provocação.
A medida de Waldeck Pinto seria corriqueira caso se tratasse apenas de uma dança das cadeiras, com a simples mudança de dirigentes. Mas não se tratava de seguir os pachorrentos trâmites burocráticos e sim transferir Raul Valle para fiscalizar porões de navios no porto de Ilhéus, pelo grave crime de não concordar com o abrupto desmonte da Ceplac, liderado pelo diretor-geral da Ceplac, desconhecedor da cacauicultura.
Nada contra ao relevante trabalho desempenhado pelos auditores-fiscais do Ministério da Agricultura na inspeção de produtos agropecuários para garantir qualidade de vida, saúde e segurança alimentar, e sim do ato de retaliação. E a reação à famigerada atitude de Waldeck Pinto veio em cadeia com o afastamento de nove servidores que ocupavam cargos relevante na direção na Ceplac.
Posso afiançar que os pedidos de afastamento não foram meros atos de defesa corporativa e em defesa do colega exonerado e, sim, da preservação da Ceplac, que já foi o maior centro de pesquisa em agricultura tropical do mundo e que há muito fadada à extinção. Os servidores ainda em atividade são responsáveis pelo desafio da renovação da cacauicultura, que se recupera da vassoura de bruxa e cerram fileiras contra a monília.
Está mais que provado que não se faz ciência da noite para o dia, especialmente num tipo de cultivo perene, a exemplo da cacauicultura, cujo conhecimento científico abrange o trabalho de pesquisa e extensão por vários anos. Matando a Ceplac por inanição, como também pretende o diretor-geral Waldeck Pinto, todo esse cabedal de conhecimento é jogado no lixo junto com os recursos humanos e financeiros dispendidos pelo contribuinte.
O que há anos promovem contra a Ceplac é um crime de lesa-pátria. Não matam apenas a instituição, mas a economia e a dignidade das populações das regiões cacaueiras, que já sofrem com a falta de uma política para esse importante segmento. Não sou contra a extinção do atual modelo de Ceplac, pensado há mais de 60 anos e que deve ser revitalizado, não importando o nome que passe a ostentar.
O que não podemos admitir é que a manipulação no orçamento da Ceplac – feito por sucessivos governos – o transforme em valores ridículos, impedindo a continuidade das pesquisas e da extensão – ou o que ainda sobra delas. A defesa desses princípios teria sido o ponto de partida das retaliações contra Raul Valle, cientista que há muitos anos lidera as pesquisas exitosas da Ceplac.
Mais inteligente seria o diretor-geral encaminhar a transferência da Ceplac para instituições análogas como a Embrapa e/ou parceria com universidades, aproveitando o corpo de cientistas à beira da aposentadoria. Solucionaria os problemas existentes na Ceplac, a exemplo da escassez de cientistas para tocar os projetos em desenvolvimento, economizando ainda, os recursos financeiros.
Temos que considerar que atualmente a Ceplac está esvaziada, em termos de especialistas em importantes áreas da pesquisa, e especialmente de fisiologistas conhecedores do cacaueiro, como é o caso de Raul Valle. Com tempo suficiente para gozar a merecida aposentadoria, Raul Valle prefere continuar a emprestar sua formação e conhecimento à Ceplac e à cacauicultura.
Mas quem é Raul Valle: Hondurenho nacionalizado brasileiro, Raul René Meléndez Valle é graduado em Agronomia e Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia e Zootecnia Manoel Carlos Gonçalves (1972); mestre em Plant Physiology – University of Florida (1978); doutor (1982) e pós-doutor (1984) em Crop Physiology – University of Florida. “Era” pesquisador principal da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira e revisor de várias revistas nacionais e internacionais. Tem experiência na área de Ciências Biológicas, com ênfase em Fisiologia da Produção e Ecofisiologia de Plantas Cultivadas, atuando principalmente nos seguintes temas: trocas gasosas, fisiologia da produção, indução de resistência sistêmica, vassoura de bruxa e cultura de tecidos no cacaueiro.
Como sempre promete o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é preciso mais Brasil e menos Brasília. Pelo visto, há, em sua trupe palaciana, os que discordam dessa assertiva.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.