Ex-integrantes do grupo de guerrilha da Colômbia divulgam vídeo anunciando a volta à luta armada
Um grupo de ex-líderes das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) divulgou vídeo anunciando a volta à luta armada. Entre eles está Iván Márquez, um dos principais chefes da antiga milícia – hoje um partido político com representação congressual chamado Força Alternativa Revolucionária do Comum – e participante ativo das complexas negociações visando ao acordo de paz celebrado com o governo colombiano em 2016.
No anúncio dessa “nova etapa da luta armada”, a maior afronta ao acordo até agora, Márquez denunciou o que classificou como uma “traição” do presidente da República Iván Duque aos termos do pacto assinado por seu antecessor, Juan Manuel Santos. “A armadilha, a traição, a deslealdade, a modificação unilateral do texto do acordo, a violação dos compromissos por parte do Estado, as assembleias judiciais e a insegurança jurídica nos forçaram a voltar para a montanha”, disse Iván Márquez no vídeo.
De fato, Iván Duque foi eleito em junho do ano passado com um discurso frontalmente contrário a muitas cláusulas do acordo de paz, entre elas a que criou a Justiça Especial para a Paz, conhecida como JEP, concebida como um sistema judicial transitório tido como crucial para julgar ex-guerrilheiros que não foram anistiados.
Se é possível resgatar na história colombiana alguma compreensão sobre as razões que levaram à formação das Farc – notadamente no que tange às disputas políticas no período conhecido como La Violencia, entre 1945 e 1958 -, hoje nada justifica o retorno às armas, tal como propõem Iván Márquez e outros ex-líderes guerrilheiros, como Jesús Santrich e Henry Castellanos, conhecido como “Romaña”.
A insatisfação com um acordo de paz que dividiu profundamente os colombianos, traumatizados pelos efeitos de uma guerra civil que matou mais de 200 mil pessoas em 50 anos, deveria levar, no limite, à retomada das negociações sobre os termos pactuados há três anos, não à ameaça de um novo banho de sangue. Sobretudo no momento em que as Farc de hoje, embora mantido o acrônimo, nada têm a ver com a milícia de outrora. Afinal, trata-se de um partido político legitimamente representado no Congresso, locus ideal para discussões dessa natureza.
Tanto é assim que a rebelião armada anunciada por Márquez e outros dissidentes foi muito mal recebida por seus ex-correligionários e autoridades colombianas e internacionais. Não há, nos meios político e acadêmico, quem veja seriamente uma ameaça de recrudescimento do conflito. “As possibilidades de que esse grupo se converta em uma organização tão importante como chegaram a ser as Farc são realmente escassas”, disse Carlos Medina Gallego, coordenador do curso de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia, em entrevista ao Estado.
Iván Márquez prometeu aproximar sua milícia do Exército de Libertação Nacional (ELN), foco de guerrilha colombiana que tem agido na fronteira com a Venezuela. Tanto o presidente Iván Duque como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusaram o regime do ditador venezuelano Nicolás Maduro de estar por trás da retomada da luta armada. “Os colombianos devem ter clareza de que não estamos diante do nascimento de uma nova guerrilha, mas sim frente a uma ameaça criminosa de uma quadrilha de narcoterroristas que conta com o abrigo e o apoio da ditadura de Nicolás Maduro”, disse o presidente colombiano.
É fundamental para a consolidação do processo de paz na Colômbia, cujo grande marco foi a assinatura do Acordo de Havana em 2016, que os dissidentes que optaram pelo retorno às armas sejam prontamente repelidos pelos homens e mulheres de boa vontade das Farc – o partido político, não a milícia – e o governo colombiano aja prontamente para evitar que o que parece ser uma pequena célula terrorista torne-se algo maior para voltar a assombrar não só a Colômbia, mas também países vizinhos