Letycia Cardoso e Patrícia Valle
Você paga juros caros pelo financiamento da casa própria? Arca todo mês com tarifas altas do cartão de crédito? Está insatisfeito com o serviço do seu banco, mas não tem paciência de pedir a portabilidade? Tudo isso pode mudar com a implementação do Open Banking. O Banco Central (BC) está dando a largada para uma transformação que pretende mudar o sistema financeiro, tirando o poder dos bancos e colocando na mão dos clientes. O objetivo é combater a burocratização e os altos custos, fomentando a competitividade entre as instituições. Para tirar melhor proveito, o consumidor deve entender o que irá acontecer.
O primeiro passo para toda a mudança é o Pix, novo sistema de pagamentos que começa a funcionar em 16 de novembro. Por meio dele, pessoas físicas poderão fazer transferências para contas de outros bancos, de forma gratuita e praticamente instantânea, 24 horas por dia e sete dias por semana. Já no dia 30 do mesmo mês, será implementada a primeira das quatro fases do Open Banking.
Luiz Fabbrine, líder de finanças da consultoria Bip, explica que, primeiro, será feito o compartilhamento de dados das próprias instituições; depois, dos dados cadastrais dos clientes, mediante autorização; e por fim, de posse desse histórico, as instituições vão poder conceder melhores ofertas.
— Será parecido com um marketplace, mas com produtos financeiros alinhados a cada perfil. Hoje, 90% das operações de crédito são feitas pelos cinco principais bancos. O novo cenário vai possibilitar que bancos pequenos e fintechs tenham maior competitividade — explica.
Segundo o BC, o consumidor ganhará autonomia na gestão de seus recursos e a oferta dos serviços será mais ágil segura e totalmente digital. Para Raul Moreira, diretor executivo de Open Banking do Banco Original, a novidade fará do Brasil um dos países mais modernos do mundo, com sistema financeiro à frente até dos Estados Unidos:
— O Pix é a ponta do iceberg. Com o Open Banking o consumidor só terá conta num grande banco se estiver satisfeito. Porque tudo será compartilhado e ele poderá fazer tudo em um banco digital ou uma fintech. Acredito que no primeiro semestre de 2021 devemos ter um novo mercado.
Controle de todas as contas num só lugar
Quem tem conta em mais de um banco não vai mais precisar ter tantos aplicativos instalados no celular. Dentre as novidades, está a possibilidade das instituições se transformarem em agregadores. Isto é, se um cliente tem mais afinidade com a plataforma de um banco, poderá escolher movimentar a partir dela o dinheiro depositado em outros bancos ou corretoras.
— Quem oferta esse serviço passa a ter acesso a mais dados do cliente, conseguindo customizar as ofertas para as necessidades dele. Em um banco europeu, por exemplo, se o cliente compra uma passagem internacional, mesmo que com o cartão de crédito de outra instituição, o agregador pode oferecer serviços adicionais, como um seguro viagem — conta Fabbrine.
Até mesmo empresas de outros ramos, como varejo, telecomunicações, energia e consumo vão poder assumir esse papel. O aplicativo de organização de finanças Guia Bolso, por exemplo, que já concentra informações de vários bancos, poderá ser usado para fazer as próprias movimentações: sejam pagamentos, transferências, ou até empréstimos.
— O cliente ganha uma plataforma para integrar seus dados e gerenciar melhor seus gastos, além do acesso a produtos selecionados de acordo com o seu perfil, e o Guiabolso ganha por ter maior visibilidade sobre sua vida financeira — diz Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso.
Maxnaun Gutierrez, chefe da área de produtos de pessoa física do C6 Bank, acredita que a medida irá possibilitar maior autonomia para controlar suas finanças.
— Hoje, os bancos conseguem saber histórico de crédito ao acessarem Banco Central, mas as instituições financeiras de pagamentos, como o app de pagamento de combustíveis Abastece aí, não conseguem ter esse histórico. Com esse novo sistema, elas também terão acesso. Então, é natural que as empresas queiram prestar esse serviço ao consumidor — opina Gutierrez: — Por meio de parcerias, qualquer empresa poderá virar um meio de pagamento. A Tim, por exemplo, através da C6, poderá aceitar pagamentos. Com a maior competição, a redução de tarifas já deve aparecer a partir de maio de 2021.
Benefícios para a população de baixa renda
A população não bancarizada, ou subbancarizada, é a que terá o maior impacto com o Pix e com o Open Banking. Thiago Alvarez, fundador do Guiabolso, diz que quem já está no sistema terá uma redução de tarifas, mas quem quase não usa vai ter incentivo a usar os serviços e produtos financeiros.
— Essa revolução está acontecendo em um momento em que mais de 24 milhões de pessoas entraram para o sistema financeiro com o auxílio emergencial. Em dez anos, o sistema financeiro será diferente do que temos hoje — avalia.
Para advogado João Fernando Nascimento, do CSMV Advogados, os varejistas poderão estreitar ainda mais laços com esses consumidores:
— A classe mais baixa, não tem acesso a serviços financeiros, mas tem crediário para financiar o eletrodoméstico. Quem presta esse serviço é o varejista. Ele entende esse público e, por isso, vai fortalecer ainda mais essa relação, oferecendo outros produtos de crédito que ele necessitar.
Maxnaun Gutierrez, do C6 Bank, acrescenta que, com a abertura da informação que estava disponível apenas para os birôs, será possível baixar o custo do crédito para as pessoas de baixa renda em outras instituições.
Crédito competitivo
O empréstimo no Brasil é muito caro. Grande parte do problema é que é difícil avaliar o risco de crédito corretamente. O banco tem a vantagem de ter todas as informações sobre o cliente e poder analisar. No entanto, já que os demais concorrentes não têm a mesma informação, eles podem cobrar alto. Com o Open Banking, o consumidor poderá escolher que essas informações sejam públicas, dando a oportunidade a todas as instituições de crédito de poderem avaliar.
— Temos os maiores custos de crédito do mundo. E os mais penalizados são os que pouco usam o sistema financeiro e pequenos empreendedores , sempre preteridos pelos grandes bancos — afirma Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD).
Não será mais necessário abrir conta em uma instituição para receber o crédito. O credor poderá depositar o dinheiro em qualquer conta. Assim, a avaliação de crédito será mais rápida e mais focada no cliente, que poderá facilmente comparar taxas .
— Poderemos ver em breve grandes plataformas oferecendo condições diferentes — diz Manoel Alexandre Bueno e Silva, do laboratório de inovação da consultoria Capco.
Ameaça aos bancões?
Com os novos sistemas em operação, os grandes bancos perderão o oligopólio da informação e da compensação de depósitos e pagamentos. Mas parecem estar se preparando para isso. Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o Pix e o Open Banking serão duas ferramentas com papel importante no aumento da concorrência bancária no país.
Segundo a instituição, o Pix não impactará tanto nas tarifas porque hoje 62% das contas transacionais já são isentas dessa cobrança por regulação do BC, e outras pelo relacionamento do cliente com o banco. A Febraban ainda ressaltou que o Open Banking também pode gerar maior eficiência para os bancos, os quais terão maior flexibilidade e velocidade no lançamento de novos produto, além de maior conhecimento sobre os perfis de seus clientes.
— Os bancos tradicionais vão reagir. Até porque, com a portabilidade total entrando em vigor, passar tudo para outro banco será fácil. Eles estão se preparando. E, agora, quem tem os melhores modelos digitais vai poder se destacar — diz Raul Moreira (EXTRA)