EDITORIAL ISTOÉ – Ou está dentro ou está fora

compartilhar

(Crédito: divulgação)

O presidente Jair Bolsonaro estabeleceu uma Linha Maginot para o seu governo que divide o Brasil em apenas duas turmas, sem direito a meio termo. No conceito binário e maniqueísta do capitão reformado só existem os inimigos e os amigos. Quem está dentro e quem está fora. Os apoiadores fiéis, caninos, de uma adesão cega e subserviente, e os opositores do regime, conspiradores que vivem de questionar e de se opor aos seus atos — quanta ousadia! — merecendo, portanto, a retaliação implacável. Só assim para entenderem a força do poder supremo. Monarcas absolutistas e autoritários agem dessa maneira, adotam a cartilha do retrocesso e da exclusão de liberdades. O “Mito” tem uma inclinação insofismável nesse sentido. Estabeleceu o princípio tacanho que prega aos amigos tudo, aos inimigos nada. Foi contra? Demito, humilho, censuro, asfixio financeiramente, faço o diabo. Um primor de lição antiestadista de alguém que na posse havia prometido e jurado governar para todos, sem distinção. Decorridos quase oito meses de gestão, dá para se notar claramente, não é assim que a banda toca. Bolsonaro adotou todos os cacoetes típicos de um ditador mequetrefe de republiqueta das bananas. Incorporou o nepotismo escrachado para aboletar o filho na embaixada de Washington e a perseguição implacável aos que resistem a suas profanações. Segue atacando, difamando e esculhambando, até por meio de fake news, supostos adversários. Fez isso com o presidente da OAB mais recentemente (até lhe cortando contratos com estatais), com instituições como o Inpe e a Ancine, com governadores e a mídia em geral. Esses dois últimos, tidos por ele como eixos da suposta resistência, estão sendo alvos inclusive de práticas abomináveis e que ferem desabridamente os preceitos sugeridos na Carta Magna, a listar: o da impessoalidade do mandatário, da igualdade e autonomia das unidades da Federação e o da livre expressão. De maneira quase diária e sistemática o presidente vem ferindo o devido ordenamento legal. Governadores do Norte e Nordeste do País, já alcunhados pelo mito de “paraíbas”, agora só irão receber verba — que lhes é de direito — caso demonstrem cabalmente estarem alinhados com o modo de pensar e as decisões do mandatário. Em outras palavras: é adesão total ou penúria braba de recursos. E o presidente assumiu a ameaça sem qualquer disfarce. “Se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter de falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro”, disse depois de avisar que alguns governadores do Nordeste não devem “ter nada”. A sugerida razia orçamentária já vinha sendo executada via Caixa Econômica Federal, que destinou pouco mais de 2% de seus empréstimos para a região. Agora, ao que tudo indica, o presidente está querendo adotar isso como política de Estado, alegando que os governadores nordestinos “querem a divisão do País”. Na verdade, a cisma institucional vem sendo montada diretamente pelo mito no altar do Executivo. O mesmo procedimento, e não menos grave, está sendo adotado em relação aos veículos de imprensa em geral, inimigos desde sempre do mandatário — ao menos na visão dele, que não consegue enxergar a prática do jornalismo independente e crítico como um instrumento saudável e legítimo da democracia. Na terça-feira passada, com pitadas de sarcasmo e ironia, Bolsonaro anunciou o fim da chamada publicidade legal, prevista como forma de dar transparência aos resultados das empresas por meio da publicação de editais e balanços em veículos de circulação nacional e no Diário Oficial do Estado no qual a companhia opera. A medida tinha alvo específico e certeiro como, mais uma vez, Bolsonaro resolveu deixar claro: o Jornal Valor, editado pelo Grupo Globo, que no seu entender estaria seguindo uma linha editorial firmemente opositora a ele. O mandatário fez uso de dois exemplos de reportagem que não procedem dentro dos termos citados. Ambas as matérias, na sua alegação, teriam ocorrido durante a campanha e uma delas comparava a sua política econômica a da ex-presidente Dilma Rousseff, sugerindo que ele seria uma espécie de “Dilma de calças”. As entrevistas na verdade ocorreram bem antes, em 2017, pelo que mostrou o jornal — portanto quando a eleição ainda não estava em campo —, e em nenhum momento teria sido feita uma correlação com a ex-presidente petista. Mas Bolsonaro, na tática já recorrente, achou por bem adicionar esse ingrediente venenoso para dar ares de legitimidade a sua política de exclusão. Não é o Jornal Valor o primeiro veículo, nem o único, a ser alvo dessa estratégia de censura publicitária. Contrariando todos os critérios técnicos de veiculação e abrangência das mídias, o presidente tem orientado e privilegiado verbas para os chamados meios amigos e resilientes, que abdiquem de fiscalizar, questionar e cobrar uma atuação mais republicana do Executivo. Bolsonaro abomina a possibilidade de ser contrariado. Seus asseclas deixam claro que o jornalismo tem de se converter plenamente aos seus anseios, sem qualquer resquício de dúvida. O mesmo método de constrangimento esteve em voga nos mais diversos governos autoritários da história. Na Alemanha nazista e mais recentemente na Argentina de Kirchner e na Venezuela de Maduro — que, curiosamente, Bolsonaro repudia — o caminho foi o mesmo. Na Argentina kirchnerista, veículos como o Jornal Clarín praticamente fecharam por conta das retaliações oficiais. Maduro foi além, perseguiu não apenas financeiramente como politicamente os veículos que ele via como inimigos e até levou às grades alguns jornalistas. Bolsonaro não está longe disso. Recentemente ameaçou com “cana” o responsável pelo site “The Intercept Brasil”, Glenn Greenwald, que vem publicando denúncias em série envolvendo autoridades. O chefe da Nação, em nome de vinganças pessoais, tem extrapolado limites e rasgado os preceitos democráticos que tão duramente os brasileiros conquistaram nos últimos tempos. Na base do radicalismo, todos perdem. Inclusive ele. 

Por Carlos José Marques,  diretor editorial da Editora Três

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *