Fracasso em aprovar até mudanças na CNH mostra que Bolsonaro ainda precisará brigar muito com a realidade para ao menos parecer um bom presidente
O presidente Jair Bolsonaro foi ao Facebook na noite de quinta-feira para se queixar do Congresso. Disse que “gostaria de fazer muita coisa pelo Brasil”, mas os parlamentares não deixam. Como exemplos do que “gostaria de fazer pelo Brasil”, o presidente citou diversos projetos e medidas provisórias que ou foram recusados ou nem sequer foram discutidos. “Estou há seis meses com um projeto de lei dentro da Câmara para que a validade da carteira de motorista passe de cinco para dez anos, mas não vai para frente”, declarou o presidente, com ar indignado. “Estou também há seis meses com um projeto fazendo com que você perca a sua carteira (de motorista) depois de completar 40 pontos no ano, e não 20 como é atualmente”, continuou Bolsonaro. A lista de prioridades citadas pelo presidente incluiu ainda a medida provisória que instituiu a carteira de estudante digital e a medida provisória que dispensou as empresas de publicarem balanços em jornais de grande circulação – ambas caducaram sem votação. Bolsonaro mencionou também o projeto de lei “maravilhoso” que dá “direito ao índio de ser um cidadão igual a você, igual eu (sic)” – em referência ao projeto que permite o desenvolvimento de atividades como mineração, produção de petróleo e gás e geração de energia elétrica em terras indígenas. “Lamentavelmente”, disse, “a Câmara nem vai discutir” o projeto. Em nenhum momento, na quase meia hora que gastou para falar do que “gostaria de fazer pelo Brasil”, o presidente Bolsonaro mencionou as reformas administrativa e tributária, que deveriam ser as reais prioridades do Executivo. Provavelmente não falou porque o governo nem sequer enviou suas propostas ao Congresso. E o clima de confronto criado pelos bolsonaristas – e alimentado pelo próprio presidente – contra os parlamentares pode procrastinar ainda mais o envio e a votação dessas matérias fundamentais para o País. O resultado disso é que o relativo otimismo com a retomada do crescimento, verificado no final do ano passado, especialmente depois da aprovação da reforma da Previdência, vai se transformando em ceticismo e dúvida: afinal, não se pode condenar quem hesita em investir num país cujo governo cria crises diárias e não demonstra compromisso com as reformas. No seu pronunciamento, o presidente Bolsonaro disse que se encontrará com empresários da Fiesp em breve e, em vez de mencionar as muitas dificuldades do setor produtivo, preferiu destacar que um dos principais assuntos a tratar será o comportamento da imprensa. Bolsonaro disse que pedirá aos empresários que não anunciem mais em jornais “que mentem o tempo todo” e “trabalham contra o governo”. Em sua lógica, a imprensa crítica ao governo é prejudicial ao País, pois, “se o governo der errado, toda a economia do Brasil vai sofrer”. Assim, enquanto gasta energia com carteiras de motorista, radares móveis e carteirinhas de estudante, o presidente quer que os brasileiros acreditem que o maior problema do País não é sua óbvia inaptidão para o cargo, mas sim o comportamento do Congresso e da imprensa. Desde sempre incapaz de assumir as graves responsabilidades inerentes ao exercício da Presidência, Bolsonaro revela cada vez mais um comportamento perigosamente próximo daquele que notabiliza as redes sociais bolsonaristas, nas quais a verdade dos fatos é hostilizada. Em seu discurso no Facebook, reafirmou sua ânsia de desmoralizar jornalistas ao partir para insultos e ao tratar como verdadeiras as mentiras produzidas pelo bando bolsonarista que manipula a internet para achincalhar o trabalho de repórteres que revelaram o que ele gostaria de esconder. E não há perspectiva de Bolsonaro se emendar. “O recado para a imprensa: não vou desistir, vou buscar fazer tudo aquilo que eu falei durante a campanha”, anunciou o presidente. O fracasso em aprovar até mesmo mudanças na pontuação da carteira de motorista, consideradas prioritárias pelo presidente, mostra que Bolsonaro ainda precisará brigar muito com a realidade para pelo menos parecer um bom presidente.