Um dos países menos desenvolvidos do mundo, segundo a ONU, Mali já foi reduto de riquezas, minas de ouro e da biblioteca Timbuktu, que continha registros de 800 anos da história cultural africana
HISTÓRICO Mesquita de Djenné (foto) foi declarada Patrimônio Mundial pela Unesco em 1988 (Crédito: Antonello Lanzellotto)
O desconhecimento sobre o continente africano é brutal. Em um nível ampliado, ajuda a fomentar o racismo e a violência contra populações estigmatizadas por anos a fio, caracterizadas como pouco criativas e sem importância histórica na formação moderna do homem. Um dos exemplos mais famosos está em uma obra clássica nos estudos da arqueologia, de 1949, escrita pelo jornalista alemão C.W. Ceram, utilizando o pseudônimo de Kurt Wilhelm Marek. “Deuses, túmulos e sábios” já foi traduzida para mais de 28 idiomas e, ao longo das últimas sete décadas, tem perpetuado um conhecimento vago sobre a África, diminuindo a história da região às pirâmides do Egito Antigo. Isso, no entanto, está mudando.
Como forma de contrapor o discurso empregado por Kurt, mas também para ampliar o conhecimento sobre arqueologia, o antropólogo britânico Brian Fagan, professor emérito da Universidade da Califórnia, lançou a “Breve História da Arqueologia”, uma atualização do trabalho produzido por Kurt, destacando os principais acontecimentos da paleontologia e arqueologia universais. Ao longo de 40 capítulos, com discurso objetivo, a obra mostra como arqueólogos e pesquisadores encontraram túmulos egípcios da antiguidade, ruínas maias, os primeiros assentamentos coloniais em Jamestown, o misterioso Stonehenge, a incrivelmente preservada Pompéia e muitos outros acontecimentos históricos. O livro narra o desenvolvimento da arqueologia desde as origens no século 18 até os avanços tecnológicos do século 21, incluindo recursos de sensoriamento remoto e técnicas de imagens de satélite que revolucionaram o campo. Iluminando os eventos mais intrigantes da história, a obra ajuda a dirimir controvérsias, especialmente ligadas à África.Com especial atenção dada ao Egito Antigo, “Deuses, túmulos e sábios” ignora outras civilizações africanas tão impressionantes quanto o reino de Cleópatra. Já a obra de Fagan, permeada por anedotas, não faz questão de ser definitiva em nenhum dos temas apresentados. Ao viajar pelos continentes, o escritor britânico traz fatos desconhecidos pela maioria. Entre as savanas do Zimbábue, na África, uma colina de grandes pedras escondia um palácio descoberto no final do século XIX, com peças da Índia, porcelana chinesa, ouro, cobre e objetos em marfim. Há indícios de que a construção do palácio tenha ocorrido entre os anos 950 e 1450. A descrição relatada no livro contraria as teorias de superioridade dos colonizadores brancos. Ao notarem a impetuosidade da edificação, membros da colônia britânica decidiram que a grande cidade não havia sido erguida pelo grupo Bantus, originários da África Central, mas por europeus altamente desenvolvidos e que abandonaram a obra. O equívoco, conta o antropólogo Fagan, só seria resolvido em 1950, quando novas escavações confirmaram o óbvio: as construções eram “totalmente africanas”. Para além do Zimbábue, outras edificações no continente chamam atenção pela imponência e, ao mesmo tempo, pelo esquecimento ao qual foram relegadas na história.
Peregrinações a meca
Um exemplo é o Império Mali, fundado por Sundiata Keita, com domínio absoluto no comércio de ouro na região entre os séculos 11 e 15, com 12 reinos adjacentes e longínquo território. Às margens do rio Níger, seus nobres seguiam a fé islâmica e faziam peregrinações à Meca. Não muito distante dali, estava o império Songhai , que entre os séculos 14 e 16, foi considerado um dos maiores impérios do mundo, com um exército de mais de 200 mil pessoas e um papel extremamente importante no comércio mundial da época. Entre caminhos não percorridos pela humanidade, Brian Fagan espera que seus livros possam servir de ponte para lugares desconhecidos, para que possamos conhecer não só a fisionomia desses lugares, mas também as pessoas que os habitavam. “Se há uma lição sobre arqueologia, é que esquecemos que estamos estudando pessoas, não apenas locais e objetos. E as pessoas, com toda a sua diversidade e peculiaridade, impulsionaram a história e as sociedades humanas”, conclui.
Por Guilherme Henrique/ISTOÉ