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Líderes têm a chance de construir um futuro comum dos dois países, à margem das diferenças pessoais
Mudou tudo, segundo o chanceler argentino Felipe Solá. Depois de se reunir com o presidente Jair Bolsonaro, na quarta-feira, deixou Brasília otimista e confiante num relançamento das relações bilaterais, como disse em entrevista ao GLOBO: “Estava instalada uma relação muito ruim, péssima, diria, entre os governos do Brasil e da Argentina. Isso terminou hoje. E acho que é importante que o governo dos Estados Unidos saiba que isso aconteceu, que a relação melhorou. ”Hoje, o único aspecto visível de convergência entre os governos da Argentina e do Brasil é, provavelmente, a admissão explícita da dependência dos presidentes dos dois países às decisões da administração Donald Trump. No caso do argentino Alberto Fernández, trata-se de uma questão de sobrevivência — ele precisa, desesperadamente, do aval de Washington ao FMI para uma moratória negociada da dívida externa. No caso de Bolsonaro, é opção pessoal, incorporada à política externa como ideia de “aliança estratégica” econômica e militar, até agora sem contornos definidos. O problema de ambos os presidentes é a realidade. A interdependência dessas duas nações transcende conjunturas ou caprichos políticos dos governantes, como se constata nos 29 anos de existência do Mercosul ou no acordo regional de livre comércio com a União Europeia, a ser referendado em 2021. Faz algum sentido o otimismo do chanceler Solá, político com 33 anos de militância na ala centro-direita do peronismo, de onde emergiu o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999). As circunstâncias obrigam Bolsonaro e Fernández a buscar uma base de entendimento. Talvez, em 1º de março, em Montevidéu, na posse de Luis Lacalle Pou na presidência uruguaia.Bolsonaro e Fernández precisam resolver, rapidamente, pendências como as mudanças nas regras comerciais do Mercosul. Brasil, Paraguai e Uruguai desejam reduzir a Tarifa Externa Comum, e a Argentina resiste. Fernández reluta aceitar um corte à metade (a média atual é de 13%) como propõe Brasília. Há espaço para negociação, se os líderes demonstrarem um mínimo de sabedoria política para compreender que ambas as sociedades estão ansiosas pela expansão da renda interna, via aumento de competitividade das respectivas economias. Bolsonaro e Fernández têm a chance de construir um futuro comum dos dois países, à margem das diferenças pessoais. Sem entender isso, se arriscam ao abismo que a História costuma reservar aos anódinos na política — o da irrelevância.