Santa Casa se recupera, mas sem a ajuda da União corre o risco de entrar em nova crise
A Santa Casa de São Paulo tem deixado a grave crise financeira por que passou em 2014 em um passado de triste memória. No momento mais dramático, em julho daquele ano, o atendimento de pronto-socorro teve de ser suspenso por falta de recursos, para desespero de centenas de pacientes. Quando fornecedores de bens e serviços essenciais, como lavanderia, insumos hospitalares, combustível e alimentação para pacientes e funcionários, ameaçaram romper os contratos por falta de pagamento, cogitou-se até mesmo encerrar por completo as atividades desta instituição secular, o que seria uma lástima para os milhares de paulistas – além de outros tantos que vêm de outros Estados – que dependem dos valorosos serviços prestados pela Santa Casa há mais de 460 anos.No entanto, não é possível dizer que a Santa Casa esteja em situação financeiramente confortável. Longe disso. Mas é seguro afirmar que a instituição trilha um bom caminho de recuperação graças a uma administração que soube diagnosticar focos de problemas, sanear as contas e renegociar contratos. Apoiada pela Fundação Instituto de Administração (FIA), a provedoria da Santa Casa de São Paulo desenvolveu, a partir de abril de 2017, um amplo processo de reestruturação organizacional, cujo resultado mais importante foi o aumento da capacidade de atendimento à população. No ano passado, o ambulatório de especialidades realizou, em média, 45.100 consultas por mês, um aumento de 23% em relação aos atendimentos realizados em 2017. Só em outubro foram realizados 223.200 procedimentos, entre consultas, exames e cirurgias, o que superou em 86% a meta estipulada pela Secretaria Estadual de Saúde. O Hospital Central da Santa Casa, na Vila Buarque, realizou uma média de 1.900 cirurgias por mês no ano passado. Foi significativo o aumento das cirurgias oftalmológicas, incluindo transplante de córneas, e das cirurgias cardíacas pediátricas. O hospital também retomou as cirurgias de transplante renal e iniciou planejamento para começar a realizar transplantes de fígado ainda neste ano, notícias que são um bálsamo para as cerca de 18 mil pessoas que esperam por um transplante de órgãos em São Paulo – 70% delas à espera de um rim. No pronto-socorro, setor mais sensível à crise financeira de 2014, houve uma média de 20 mil atendimentos mensais em 2019, resultado direto do equacionamento das dívidas com fornecedores e da adoção de uma forma mais eficiente de prestar socorro aos pacientes, mais integrada às demais áreas do hospital. Os números mostram que a Santa Casa vem recuperando sua plena capacidade de atendimento clínico e cirúrgico, uma realização inestimável, pois se trata do maior hospital filantrópico da América Latina, nascedouro de duas das mais prestigiosas escolas de Medicina do País, a da Universidade de São Paulo (USP) e a Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Há muito a ser feito ainda, nem tudo nas mãos da Santa Casa. Hoje, as maiores dívidas da instituição são o empréstimo com a Caixa, no valor de R$ 360 milhões, obtido em 2015 para reestruturar as finanças e retomar o atendimento, e R$ 50 milhões com fornecedores e funcionários. O equilíbrio financeiro depende da boa administração dos dois passivos. Mas não só. A debacle econômica das Santas Casas – não apenas a de São Paulo – começou há cerca de 20 anos, quando passaram a atender pacientes no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A união de esforços em prol dos desvalidos fazia todo o sentido. O problema é que no decorrer desse tempo o que houve foi uma transferência de responsabilidade do governo federal para as filantrópicas, que sofrem com sucessivos atrasos nos repasses e na crônica desatualização da tabela do SUS. Noutras palavras: a União alivia seu ônus à custa de instituições filantrópicas como as Santas Casas. Não há boa gestão que dê jeito na crise se o governo central não fizer sua parte