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CULTURA > FIRMINO ROCHA, O ORGULHO DA POESIA ITABUNENSE

por Ornan Serapião
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Por Walmir Rosário*

Embora nunca tenhamos marcado qualquer encontro, religiosamente nos víamos, e sempre ao cair da tarde. Posso afirmar que nossos hábitos eram bem distintos em variados aspectos. Assim que terminava o expediente, eu o famoso operador de som da antiga Rádio Clube de Itabuna, Eliezer Ribeiro (Corpinho de Leão), nos dirigíamos ao Ita Bar para tomarmos um (uns) aperitivo(s).

Aos poucos, vislumbrávamos a figura do nosso personagem cruzar a rua que separava a praça Olinto Leone, onde morava, e embocar no beco em direção ao Ita Bar. Passava rente ao saudoso castelinho, com sua pasta de couro, daquelas que os vendedores viajantes utilizavam àquela época. No interior da pasta, nada de talões de pedidos ou prospectos de publicidades. Só poesias.

Pelo caminho o ritual diário era o mesmo: cumprimentava a todos com sorrisos, algumas frases de elogios, especialmente flores para as mulheres. Essa distinção era rotineira. As pessoas que ainda não o conheciam geralmente olhavam aquela figura com desconfiança, até serem informados e certificados que se tratava de Firmino Rocha, poeta, pessoa de bem, e para alguns com a cabeça nas nuvens.

A indumentária era a mesma: um terno surrado, voltado para a cor cinza, às vezes com gravata, bem frouxa no pescoço e a cabeça protegida por um chapéu de baeta. Sempre com um sorriso nos lábios. Se houvesse oportunidade, abriria a maleta e pegaria os papéis soltos ou o caderno e os mostraria, declamando uma das dezenas de poesias.

Ao chegar ao Ita, sentava-se num banco junto ao balcão ou à mesa diante dos convites. Luzia, a garçonete com anos de experiência e conhecimento dos fregueses, lhe servia uma cachacinha pura ou o famoso “leite de onça”, aperitivo da casa. Engrenava a conversa, apresentava seus novos trabalhos, desfiava versos de seus novos poemas.

Nascido em 7-6-1910, à época desses nossos encontros (1964-65 em diante), Firmino Rocha, diplomado em Ciências e Letras, pouco se preocupava com o academicismo e sim com o que lhe rodeava. E assim, rodava, ou rondava Itabuna ao cair da noite, visitando bares e lanchonetes, revendo os amigos, conversando ou declamando versos.

Quem recorda bastante de Firmino Rocha é o advogado Gabriel Nunes (ex-presidente da OAB de Itabuna), muitas das vezes dos encontros na choperia e lanchonete Model, na avenida do Cinquentenário. Para Gabriel, Firmino Rocha era um poeta que quebrou os tabus e padrões da época, com um estilo eminentemente conhecido como o modernismo baiano.

E numa das viagens aos Estados Unidos, Gabriel Nunes foi visitar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), que exibe em seu hall uma bela homenagem a mais conhecida poesia de Firmino Rocha, “Deram um Fuzil ao Menino”, concebida por protesto à Segunda Guerra Mundial. “Assim que vi a mensagem me senti também celebrado, pois era um grapiúna como o amigo Firmino Rocha”, declara Gabriel.

Mas como o tempo é implacável, Firmino Rocha morre aos 61 anos (1º de julho de 1971), deixando parte de sua obra publicada em jornais de Ilhéus e Itabuna e singelos livros que editou. Mas quis o tempo preparar a reabilitação do poeta itabunense em 2008, por ação do professor Flávio Simões Costa, quando diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC).

Ao chegar a Itabuna em início dos anos 1960, o professor Flávio Simões foi um daqueles abordados pelo poeta Firmino Rocha, enquanto passeava com sua filha pela praça Olinto Leone. Em quase todas as tardes Flávio Simões ouvia os poemas de Firmino Rocha. Na FICC chegou a oportunidade de homenagear o poeta itabunense, editando o livro “Firmino Rocha – Poemas escolhidos e inéditos”, editado pela Via Litterarum.

O meu exemplar, autografado por Flávio Simões, é guardado como uma relíquia em local de destaque na minha biblioteca.

*Radialista Jornalista e advogado.

                                                      DERAM UM FUZIL AO MENINO

 

Adeus luares de Maio.

Adeus tranças de Maria.

Nunca mais a inocência,

nunca mais a alegria,

nunca mais a grande música

no coração do menino.

Agora é o tambor da morte

rufando nos campos negros.

Agora são os pés violentos

ferindo a terra bendita.

A cantiga, onde ficou a cantiga?

No caderno de números,

o verso ficou sozinho.

Adeus ribeirinhos dourados.

Adeus estrelas tangíveis.

Adeus tudo que é de Deus.

DERAM UM FUZIL AO MENINO

(Firmino Rocha)

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