EDITORIAL DO JORNAL O GLOBO – Itamaraty contraria tradição no apoio a Trump

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Envolver-se com um dos lados no conflito entre EUA e Irã significa ir contra os interesses nacionais

Da mesma forma que atuam outras áreas do governo sob forte influência ideológica extremista, o Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo reagiu de maneira desequilibrada ao ataque americano que matou nas imediações do aeroporto de Bagdá o general iraniano Qassem Soleimani, o segundo homem forte da teocracia persa, abaixo do aiatolá Ali Khamenei. Sem nenhum dos cuidados que a diplomacia brasileira costumava ter ao se posicionar sobre conflitos no Oriente Médio, Araújo avalizou a operação autorizada pelo presidente Trump. Criticado por ex-embaixadores, o Itamaraty, alinhando-se a Trump, levou o Brasil a passar a considerar terrorista a Guarda Revolucionária persa, comandada por Soleimani. Até a chegada de Bolsonaro ao Planalto, o país qualificava como tal apenas a al-Qaeda e o Estado Islâmico, conforme entendem as Nações Unidas. Esta é mais uma demonstração de que a nova diplomacia brasileira imita a Casa Branca, negando legitimidade aos fóruns do multilaterialismo, como a ONU. Fez o mesmo ao prometer seguir Trump e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que significa desconhecer direitos palestinos. Não estão em questão as atividades antiamericanas de Qassem Soleimani, mas o fato de que mais uma vez os Estados Unidos agem à margem da ONU — como foi na invasão do Iraque — e agora fazem o mesmo no ataque a uma autoridade de outro Estado. É sintomático que França e Alemanha tenham adotado um discurso de apaziguamento. Como o brasileiro outrora. Mesmo a Grã-Bretanha de Boris Johnson, aliado de Trump, foi nesta mesma direção, que costumava ser seguida pelo Itamaraty. Ficaram deste lado China e Rússia, signatários do acordo nuclear fechado com o Irã no governo Barack Obama, e também com Alemanha, França e Grã-Bretanha. Domingo, o Irã comunicou o abandono do acordo, e o parlamento iraquiano, certamente sob influência de Teerã, aprovou a saída das tropas americanas do país. Do lado de Trump, ficou Israel de Netanyahu. O Brasil, antes de tudo, precisa preservar seus interesses, que não podem ser deste ou daquele governo. O de Bolsonaro apoia uma ação que torna o Oriente Médio mais perigoso e, por consequência, o mundo, devido à importância da região no suprimento mundial de petróleo. Não servem ao Brasil choques que abalem mercados. Trump assume um discurso cada vez mais agressivo — na noite de domingo ameaçou bombardear até o patrimônio cultural do Irã. Que é da Humanidade. Não se pode descartar que ele também joga com a carta do impeachment e principalmente das eleições deste ano. É quase certo que, aprovado na Câmara dos Comuns, o impedimento não passe pelo Senado, sob controle dos republicanos. Um presidente belicoso deve melhorar a sua blindagem nas duas frentes. Não é jogo para o Brasil entrar. Precisa é se preocupar, por exemplo, com os bilhões de dólares que obtém com as vendas do agronegócio para países islâmicos. Só com o Irã, acumula um saldo de US$ 2 bilhões.

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