Seguem observações cotidianas. Ando pelo mundo prestando atenção em tudo, cantarolando mais do que em cores e nomes, como na música Esquadros, de Adriana Calcanhoto, embora ela relate também muito do que também vejo e sinto.
É incontrolável, e natural, da minha personalidade, e creio até que é muito por isso sigo no jornalismo há tantas décadas, e escrevendo contando as impressões. Isso me vale um enorme cansaço no fim do dia. Meu irmão, brincando, até briga comigo: me chama de síndica quando observo as mínimas mudanças por aí, ao redor, algumas pequenas, que poderiam até ser consideradas desimportantes. Para mim, não são. São transformações, mudanças, progresso ou ruínas, lascas profundas na memória, e explicações ou comprovações. Comportamentos a serem registrados.
Observo, mentalmente meus olhos captam tudo ao redor, sempre fui assim, o que me garantiu várias vezes a sobrevivência em situações de risco. Sempre de alguma forma ligada, vendo, aliás, também ouvindo, pensando, anotando mentalmente o mundo passar na minha frente, tentando entender. E eu – e todos nós – caminhando nele enquanto gira, cada vez mais rápido, vertiginoso. Ciclos que vêm e vão com mais assiduidade do que as ondas que não vieram e frustraram muitos surfistas agora no Taiti, onde disputavam a Olimpíada.
Creio que as pessoas não deviam estar tão distraídas como muitas que noto, absortas em telas, na vida dos outros, em questões menores enquanto as principais podem afundá-las. É difícil, por exemplo, até sem querer, você ouvir a conversa de mais de duas pessoas e elas não estarem fritando uma outra que não está presente, e que onde estiver sua orelha esquerda deve ficar em chamas.
Mas nem tudo é para o mal, e apresento a maior novidade do momento que tenho reparado, no meio de tanta intolerância: a volta de uma certa gentileza; digo certa porque ainda não é generalizado. Mas mais gente que cruzo no caminho dá um sorriso, um bom dia, uma boa tarde. Dá licença. Para o carro na faixa para que os pedestres atravessem. Busca ser solidário em algo, ser necessário, dá atenção. Acho que começa uma reação ao muito que perdemos de qualidade de relacionamento durante a pandemia. Mesmo estando bem ciente que há uma grande loucura no ar, e cada vez sabendo mais de gente “normal” surpreendendo e tendo atitudes e reações absurdas, algumas violentas, e incontroláveis.
Tenho sabido, por outro lado, também de um número bem significativo de pessoas maravilhadas com uns remedinhos esquisitos para emagrecer. Ozempic, Wegovy, Monjouro; deve ter outros, e chegar mais porque rentáveis, ah, lá isso são. Todos muito caros, coisa para quem pode comprar, importar, conseguir por algum meio. Estão na moda. São indicados para diabetes, mas usados por quem não tem esse mal, doença terrível que conheço bem porque perdi minha mãe com ela. Na época, o máximo que tínhamos – e eu importava com muita dificuldade – era uma medicação alemã de liberação prolongada de insulina, o Lantus, hoje já no mercado e mais acessível.
Comento porque já vi desastres com modas como essa. Adolescente, quase pirei na época pré-vestibular com a indicação médica – e ele era bem conhecido: um tirava o apetite e ligava; outro, desligava. Como um interruptor. Parei a tempo. Teve quem não conseguiu.
Hoje, dizem, esses modernos ligam, deixam as pessoas se achando mais inteligentes e capazes; pior, sendo associados a outras drogas indicadas para quem tem TDAH, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Devo informar que estão espalhadas no mundo artístico, empresarial e político, entre as pessoas que comandam muitas vezes algo que nos diz respeito. O que explicaria até como de vez em quando somos informados de decisões e ações fora de parâmetros, de acidentes causados por playboys em possantes, promessas políticas feitas de dia e desfeitas à noite como Penélopes. Uma espécie de cocaína oficializada, inclusive por muitos daqueles que vêm batendo no peito contra a descriminalização de drogas como a maconha, essa planta com efeitos terapêuticos comprovados.
Temos muito a observar por aí. Além da magreza.
Marli Goçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br