Em mais uma tentativa de intimidação e um ponto a mais de tensão, a China iniciou na manhã desta quinta-feira (23) dois dias de exercícios militares em torno da ilha de Taiwan, como “forte punição pelos atos separatistas”. Segundo o Ministério da Defesa de Taiwan, foram detectados 49 aviões chineses durante as manobras de Pequim, “dos quais 35 cruzaram a linha mediana”, em referência à linha que divide o Estreito de Taiwan, localizada entre a ilha e a China continental. Os exercícios ocorrem três dias após Lai Ching-te tomar posse como novo presidente da ilha autogovernada. Durante seu discurso de posse, ele fez um apelo para que China “cesse a intimidação política e militar”, algo que foi visto pelos chineses como uma “confissão de independência”. A China, que reivindica sua soberania sobre a ilha governada separadamente desde 1949 e nunca descartou a possibilidade de recorrer à força para assumir o controle do território, considera o novo presidente como “um separatista perigoso” que levará “guerra e declínio” para a ilha.
Segundo a agência de notícia estatal Xinhua, o porta-voz militar Li Xi disse que os exercícios se concentrariam em “patrulha conjunta de prontidão para combate marítimo-aéreo, apreensão conjunta do controle abrangente do campo de batalha e ataques de precisão conjuntos em alvos-chave”. Li disse que os exercícios servem como “forte punição pelos atos separatistas das forças da ‘independência de Taiwan’ e um aviso severo contra a interferência e provocação por forças externas”, e acrescentou que os exercícios “envolvem a patrulha de embarcações e aviões se aproximando de áreas ao redor da ilha de Taiwan e operações integradas dentro e fora da cadeia de ilhas para testar as capacidades conjuntas de combate real das forças do comando”.
As autoridades taiwanesas responderam de imediato e mobilizaram suas forças marítimas, aéreas e terrestres. “Continuaremos defendendo os valores da liberdade e da democracia”, afirmou o presidente Lai. Em coordenação com o Exército, a Guarda Costeira de Taiwan mobilizou sua frota para “monitorar os movimentos nas águas marítimas próximas” e defender “a soberania e a segurança do país com uma atitude firme”. Taiwan mobilizou quatro caças da base de Hsinchu, que fica 60 km ao sudoeste de Taipé. O Ministério da Defesa de Taiwan condenou “firmemente as ações e provocações irracionais que minam a paz e a estabilidade regionais”. “Mobilizamos forças marítimas, aéreas e terrestres para responder e defender a liberdade, democracia e soberania” da ilha, acrescentou. Em seu discurso de posse, Lai pediu à China para interromper “a intimidação política e militar contra Taiwan” e “manter a paz e estabilidade”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu a todas as partes “que se abstenham de qualquer ação que leve a uma escalada das tensões na região”, informou seu porta-voz, Stephane Djudarric, nesta quinta. Os Estados Unidos pediram “firmemente a Pequim que aja com contenção”, declarou um alto funcionário americano. Os exercícios militares mobilizados pela China “são temerários, aumentam os riscos de uma escalada e atentam contra normas que têm mantido a paz e a estabilidade regionais durante décadas”, acrescentou.
Relação deteriorada
As relações entre Pequim e Taipé se deterioraram consideravelmente desde 2016, quando começou o governo da ex-presidente taiwanesa Tsai Ing-wen que, assim como seu sucessor Lai, é uma defensora veemente do modelo democrático da ilha. Pequim aumentou a pressão militar, diplomática e econômica sobre a ilha de 23 milhões de habitantes que, embora tenha pouco reconhecimento internacional, conta com um governo, um exército e uma moeda própria. A última vez que a China anunciou exercícios militares semelhantes em torno de Taiwan foi em agosto, por ocasião de uma escala de Lai nos Estados Unidos durante uma viagem ao Paraguai. Naquela ocasião, a imprensa estatal também indicou que o objetivo das manobras era testar a capacidade do Exército de “tomar o controle de espaços aéreos e marítimos” e de lutar “em condições de combate reais”.
Em abril do ano passo, as Forças Armadas chinesas simularam um cerco à ilha após uma reunião de Tsai na Califórnia com o então presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Kevin McCarthy. Em 2022, a China organizou grandes exercícios militares na região depois que a antecessora de McCarthy, Nancy Pelosi, visitou Taiwan. Os acontecimentos nesta região podem ter consequências econômicas importantes: 70% da produção mundial de semicondutores vêm de Taiwan e mais de 50% dos contêineres de mercadorias atravessam o estreito que separa esta ilha da China continental.
Embora tenha pouco reconhecimento diplomático internacional, Taiwan se tornou um ator fundamental da economia mundial como centro de fabricação de tecnologia, principalmente de semicondutores. Além disso, o estreito que separa a ilha da China continental é uma das principais vias do comércio marítimo internacional, por onde passam mais de 50% dos contêineres transportados no mundo.
Com informações da AFP/JP